A estabilidade não durou muito.
Naquela noite, comecei a sentir cãibras fortes. Chamei a enfermeira, a minha voz cheia de pânico.
Luzes acenderam-se, pessoas correram para o meu quarto. Médicos e enfermeiras falavam em termos que eu não entendia, mas os seus rostos sérios diziam tudo.
"O ritmo cardíaco do feto está a cair", ouvi um deles dizer. "A inalação de fumo e o stress causaram sofrimento fetal agudo. Temos de fazer uma cesariana de emergência."
Marcos foi chamado. Ele chegou ao hospital com um ar contrariado, como se eu o estivesse a incomodar.
"Uma cesariana? Agora? Mas ainda não está na altura", disse ele ao médico, como se estivesse a discutir um inconveniente.
"É a única hipótese de salvar o bebé", respondeu o médico, sem paciência para ele.
Levaram-me para a sala de operações. O mundo era um borrão de luzes brancas e rostos mascarados.
A última coisa que vi foi o rosto de Marcos, não de preocupação, mas de pura irritação.
Quando acordei, o quarto estava silencioso.
Demasiado silencioso.
A minha barriga estava diferente. Vazia. Lisa sob o lençol.
Uma enfermeira estava ao meu lado, o seu rosto era uma máscara de compaixão.
"Onde está o meu bebé?", perguntei, embora já soubesse a resposta. O silêncio era a resposta.
"Sofia, nós fizemos tudo o que podíamos", disse ela suavemente. "O seu filho... ele era demasiado fraco. Os pulmões dele não estavam desenvolvidos o suficiente. Ele não sobreviveu."
Não.
Não. Não. Não.
A palavra ecoou na minha cabeça, mas não consegui dizê-la em voz alta.
Um som estranho saiu da minha garganta, um gemido de um animal ferido.
O meu filho. O meu menino. Tinha-o sentido a mexer-se poucas horas antes.
Ele tinha desaparecido. Para sempre.
Porque o meu marido escolheu salvar outra mulher.
Marcos entrou no quarto algum tempo depois. Olhou para o meu rosto, depois desviou o olhar.
"Eu sei que isto é difícil", começou ele.
Esperei. Esperei por um pedido de desculpas, por lágrimas, por qualquer sinal de que ele partilhava a minha dor.
"Vamos superar isto", continuou ele. "Somos jovens. Podemos tentar ter outro."
Podemos tentar ter outro.
Como se o meu filho fosse um objeto que se partiu e pode ser substituído.
Foi aí que algo dentro de mim se partiu. O amor, a esperança, qualquer vestígio de sentimento que eu tinha por ele. Tudo se transformou em pó.
Olhei para ele, a minha visão clara pela primeira vez em anos.
"Quero o divórcio, Marcos."
A minha voz estava calma. Mortalmente calma.
Ele olhou para mim, chocado. "O quê? Não podes estar a falar a sério. Acabámos de perder um filho."
"Não", corrigi-o. "Eu acabei de perder um filho. Tu estavas ocupado a salvar as tuas coisas."
"Agora não é altura para isto, Sofia. Estás a ser irracional."
"Pelo contrário", disse eu, sentindo uma força fria a encher o vazio dentro de mim. "Nunca estive tão lúcida na minha vida. Sai do meu quarto."