Estava grávida de oito meses.
Numa noite, o cheiro a fumo e o alarme agudo quebravam a paz da casa.
Acordei, a garganta a arranhar, o quarto cheio de névoa cinzenta.
O fogo estava a consumir a nossa vida.
O meu marido, Marcos, gritou um nome. Não o meu, mas o da Laura.
A sua amiga de infância, a ex-namorada que nunca nos deixou.
Vi-o empurrá-la para fora, para a segurança do relvado.
Os nossos olhos encontraram-se através do vidro e do fumo.
Ele correu de volta para a casa em chamas e, por um segundo, senti alívio.
Mas emergiu de novo, sozinho.
Nas mãos, a caixa de joias da mãe e um álbum de fotografias.
Ele salvou as memórias da família, mas deixou a sua mulher grávida para morrer.
No hospital, ainda convalescente, a família dele tratou a minha dor como capricho.
Marcos justificou-se, dizendo que tinha sido "lógico" salvar Laura primeiro.
E depois, a pior notícia: o nosso bebé não resistiu. O stress e o fumo foram demais.
Marcos disse: "Podemos tentar ter outro." Como se o meu filho fosse um objeto que se partiu e pode ser substituído.
Eles cortaram-me financeiramente, tentaram forçar-me a voltar para casa.
Como puderam ser tão cruéis?
Teria sido um acidente que me custou tudo, ou havia algo mais sombrio?
Uma traição talvez, que o fogo convenientemente tentou apagar?
Eu sentia-me presa, sufocada pela sua manipulação e pelo peso do luto.
Foi então que uma mensagem inesperada da Maria, a empregada dos Almeida, mudou tudo.
Marcos não estava no escritório, nem na sala.
Ele e Laura estavam juntos, a sair do seu antigo quarto de solteiro, quando o fogo se iniciou.
Ele não me abandonou por pânico.
Abandonou-me para encobrir a sua traição mais vil.
A minha dor tornou-se raiva, fria e implacável.
Porque a verdade estava prestes a virar o jogo.