Olhei para o trânsito, para as pessoas a passar. Para eles, era apenas mais uma quinta-feira. Para mim, era o dia em que o meu mundo se partiu.
"Estou a caminho," respondi, com a voz mais firme que consegui.
Em casa, o cheiro de comida pairava no ar. A minha sogra, Sofia, estava sentada à mesa, a dar comida ao seu gato persa, Mimo. Ela nem sequer olhou para mim quando entrei.
"Chegaste tarde," disse ela, com o seu tom habitual de desaprovação. "O Mimo já está a ficar impaciente."
Pedro saiu da cozinha, sorrindo. "Querida, vem sentar-te. Fiz o teu prato favorito."
Sentei-me em silêncio. Na parede em frente, havia uma fotografia do nosso casamento. Nós parecíamos tão felizes, tão cheios de esperança. Mal sabíamos o que o futuro nos reservava.
"Comi um pouco no caminho," menti. "Não estou com muita fome."
Sofia finalmente virou-se para mim, com os olhos frios. "Não admira que estejas tão magra. Uma mulher que não consegue sequer manter um filho, provavelmente também não consegue manter o apetite."
O garfo de Pedro parou a meio caminho da sua boca. Ele olhou para a mãe, depois para mim, com uma expressão de desconforto.
"Mãe, por favor. Hoje não."
"Hoje não? E porquê não hoje?" ela retorquiu. "É o dia perfeito para lembrar que esta casa poderia estar cheia de risos de criança, se a tua mulher não fosse tão descuidada."
Eu agarrei a borda da mesa. Descuidada. Era essa a palavra que ela usava. Como se eu tivesse escolhido perder o nosso bebé.
"Sofia," disse eu, a minha voz a tremer ligeiramente, "você não estava lá. Você não sabe o que aconteceu."
"Ah, não sei?" ela riu-se, um som feio. "Sei que ligaste ao meu filho a pedir ajuda, e ele estava ocupado a salvar a vida do primo dele. Família vem primeiro, Eva. Devias saber isso."
Família. O primo dele, Tiago, que ficou preso num elevador avariado do outro lado da cidade. O meu marido escolheu ir ajudá-lo em vez de vir ter comigo, enquanto eu sangrava, sozinha, à espera de uma ambulância que demorou demasiado a chegar.
Eu estava grávida de sete meses. O nosso filho, que íamos chamar de Leo.
"Ele não era família, Sofia?" perguntei, a minha voz agora um sussurro. "O nosso filho não era família?"
Pedro pousou o garfo com força. "Eva, já chega! A minha mãe está apenas a dizer que foi uma situação terrível para todos. O Tiago podia ter morrido!"
"E o Leo?" gritei, finalmente a perder o controlo. "O Leo morreu, Pedro! Ele morreu porque tu não estavas lá!"
O silêncio que se seguiu foi pesado, sufocante. Sofia acariciou o seu gato, com um pequeno sorriso satisfeito. Pedro olhou para mim, a sua expressão uma mistura de raiva e culpa.
"Não é justo culpares-me," disse ele, baixinho. "Eu fiz uma escolha difícil."
"Não," respondi, a levantar-me. "Tu fizeste uma escolha fácil. Escolheste-os a eles em vez de nós. E agora, eu vou fazer a minha."
Fui para o quarto e comecei a fazer as malas. Pedro seguiu-me, a sua voz agora suplicante.
"Eva, o que estás a fazer? Não sejas assim. Nós podemos superar isto. Juntos."
"Não há 'nós', Pedro. Tu deixaste isso bem claro há um ano."
Tirei a aliança de casamento do meu dedo. Estava fria. Coloquei-a na mesa de cabeceira.
"Quero o divórcio."