A cara do Pedro transformou-se. A súplica desapareceu, substituída por uma raiva fria.
"Divórcio? Estás a falar a sério? Depois de tudo o que passámos?"
"É precisamente por causa de tudo o que passámos," respondi, a fechar o fecho da minha mala. "Eu não posso continuar a viver numa casa onde sou constantemente lembrada de que não fui uma prioridade."
Ele agarrou o meu braço. "Isso é ridículo! Eu amo-te!"
"Amor não é o que tu sentes, Pedro. É conveniência. É hábito." Soltei o meu braço do aperto dele. "O teu primo ficou preso num elevador. Eu estava a ter uma hemorragia. Vê a diferença?"
"O Tiago tem claustrofobia! Ele estava a ter um ataque de pânico! A minha tia ligou-me a chorar, desesperada!"
"E eu liguei-te a chorar, desesperada," contrapus, a minha voz a quebrar. "Eu disse-te que estava a sangrar. Eu disse-te que achava que estava a perder o bebé. E tu disseste-me para 'ter calma' e 'esperar pela ambulância'."
A memória daquela chamada telefónica era uma ferida aberta. A sua calma irritante, a sua distância. Ele estava a consolar a tia dele enquanto a minha vida se desmoronava.
"Eu não sabia que era tão grave," ele murmurou, a desviar o olhar. Uma desculpa esfarrapada.
"Tu não quiseste saber," corrigi-o. "Era mais fácil lidar com um ataque de pânico do que com a possibilidade de o teu filho estar a morrer."
Sofia apareceu à porta do quarto, com os braços cruzados.
"Então é isto. Vais simplesmente deitar fora anos de casamento por causa de um acidente?"
"Não foi um acidente, Sofia. Foi uma escolha." Virei-me para ela. "E você ajudou-o a fazer essa escolha, sempre a lembrá-lo das suas 'obrigações' para com a sua família. Bem, eu também era a família dele."
"Tu eras a mulher dele," ela cuspiu. "O Tiago é sangue do nosso sangue. Há uma diferença."
A honestidade dela era brutal. Para eles, eu seria sempre uma estranha. A incubadora que falhou.
"Tens razão," disse eu, a pegar na minha mala. "Há uma diferença. E é por isso que estou de saída."
Passei por eles e fui em direção à porta da frente. Pedro não me seguiu desta vez. Ele apenas ficou ali, parado no corredor, a observar-me a ir embora.
Quando abri a porta, ouvi a voz de Sofia, clara e cortante.
"Boa viagem. Não te preocupes, o Pedro vai encontrar uma mulher melhor. Uma que lhe possa dar filhos de verdade."
Fechei a porta atrás de mim, e o som fez eco na escada vazia.