Laura viveu cinquenta anos ao lado de João.
Tiveram filhos, netos e chegaram a celebrar as bodas de ouro, um evento que estampou a capa das colunas sociais da cidade.
Para todos, era o retrato de um casamento perfeito, uma vida inteira de dedicação.
Mas apenas Laura sabia a verdade.
No leito de morte, com o corpo de João já fraco pela doença terminal, o filho mais velho se aproximou, com os olhos vermelhos.
"Pai, qual é o seu último desejo? Farei qualquer coisa para realizá-lo."
A respiração de João era ruidosa no quarto silencioso do hospital, um som que parecia rasgar o ar.
Ele demorou um pouco para responder, mas quando o fez, sua voz, embora fraca, foi clara e firme, sem qualquer hesitação.
"Quando eu morrer, enterrem-me ao lado da sua tia Clara."
Um silêncio pesado caiu sobre o quarto.
Todos os filhos, noras e netos se entreolharam, chocados.
Seus olhares, cheios de pena e constrangimento, se voltaram para a matriarca da família, Laura.
Ela estava ali, de pé, com a coluna reta, o rosto sereno, como se tivesse ouvido a previsão do tempo.
Ela serviu a família de João a vida inteira.
Cuidou dos sogros idosos até o fim, administrou a casa, educou os filhos para serem homens de sucesso e apoiou a carreira do marido.
E no final, o único desejo dele era ser enterrado ao lado de outra mulher, a irmã dela.
Laura sentiu os olhares sobre si, alguns de pena, outros de zombaria disfarçada.
Ela simplesmente acenou com a cabeça.
"Façam como ele disse."
Sua voz não tremeu.
Nos dias que se seguiram, após o funeral, Laura se tornou o assunto da cidade.
As pessoas cochichavam pelas suas costas.
Diziam que ela era uma tola, uma mulher que dedicou sua vida a um homem que nunca a amou.
"Cinquenta anos e o coração dele sempre foi da outra."
"Que piada. Ela cuidou dele doente, e ele só pensava na cunhada."
"Coitada, viveu uma mentira."
Laura ouvia tudo, mas não sentia nada.
A humilhação não a atingia mais.
O que ela sentia era um cansaço profundo, uma exaustão que vinha da alma.
Eles não sabiam que, para ela, a morte de João não era uma perda, mas uma libertação.
Se houvesse uma próxima vida, ela jamais se casaria com João novamente.
Ela fechou os olhos, o peso de décadas de infelicidade esmagando-a.
Um desejo fraco, quase inexistente, brotou em seu coração exausto, o desejo de poder fazer tudo diferente.
De repente, o cheiro de hospital e tristeza desapareceu.
Em seu lugar, sentiu o perfume de lírios brancos e o som de uma música suave.
Laura abriu os olhos, confusa.
Ela não estava no quarto escuro de sua casa, de luto.
Estava em um pequeno salão, vestindo um deslumbrante vestido de noiva branco.
Um espelho na parede refletia sua imagem, jovem, com a pele lisa e os olhos brilhando de uma vitalidade que ela não via há cinquenta anos.
O calendário na parede marcava a data.
Era o dia do seu casamento com João.
O dia em que sua vida de sofrimento começou.