A água gelada já me chegava aos tornozelos, encharcando a carpete do carro. O parque de estacionamento subterrâneo estava a inundar depressa, e a eletricidade tinha ido abaixo, mergulhando tudo numa escuridão quase total.
A única luz vinha do ecrã do meu telemóvel.
"Leo, atende o telefone, por favor, atende," eu sussurrava para mim mesma, com a voz a tremer.
A minha mãe, Helena, estava no banco do passageiro, a sua respiração ofegante e ruidosa no silêncio do carro.
Finalmente, a chamada foi atendida. A voz do meu marido, Leo, soou irritada, abafada por música alta.
"Clara? O que foi agora? Estou ocupado."
"Ocupado? Leo, estamos presas! O parque de estacionamento do centro comercial está a inundar, a água não para de subir!"
A minha voz era um grito agudo de pânico.
"A mãe está aqui comigo, ela não se está a sentir bem."
Houve uma pausa. Ouvi-o dizer a outra pessoa, "Espera um pouco, Sofia."
Sofia. A sua meia-irmã.
"Calma," disse ele, voltando para mim. "Não faças drama. É só um bocado de chuva. Os bombeiros resolvem isso."
"Não é só chuva, Leo! A água está a entrar no carro! As portas não abrem!"
"Olha, a Sofia está com muito medo da tempestade, a luz dela foi abaixo e ela está sozinha. Tive de vir aqui para lhe fazer companhia. Não posso simplesmente abandoná-la."
A sua calma era inacreditável.
"E a nós? Vais abandonar-nos a nós? Eu estou grávida de oito meses, Leo! O teu filho está aqui dentro!"
Eu bati na minha barriga, como se ele pudesse ver.
"Exatamente por estares grávida é que tens de manter a calma," disse ele, com um tom de quem repreende uma criança. "Liga para os serviços de emergência. Eles são pagos para isso. Tenho de ir, a Sofia precisa de mim."
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele desligou.
O som da chamada terminada foi mais alto do que o barulho da água a subir.
Olhei para o ecrã escuro do telemóvel. Eu, a sua mulher grávida, e a minha mãe, estávamos presas numa armadilha mortal. E ele estava a consolar a sua irmã porque ela tinha medo de trovões.
A água já me chegava aos joelhos.