"Clara... a minha... a minha mala..." A minha mãe murmurou, com os olhos a revirar.
"Mãe, esquece a mala! Precisamos de sair daqui!"
Ela apontou para o porta-luvas. "Os meus... comprimidos..."
Antes que ela pudesse terminar a frase, o seu corpo amoleceu e a sua cabeça pendeu para o lado. Ela tinha desmaiado.
"Mãe! Mãe, acorda!"
Gritei, sacudindo-a, mas ela não reagiu. O pânico transformou-se em terror puro.
Estávamos sozinhas. Completamente sozinhas.
Tentei ligar para o 112, mas o meu telemóvel morreu. A bateria tinha acabado.
A água barrenta e fria já estava na altura da minha cintura, o meu vestido flutuava à minha volta. O bebé dentro de mim mexeu-se violentamente, um pontapé de protesto ou de medo.
"Nós vamos sair daqui," disse eu em voz alta, mais para mim do que para o meu filho por nascer. "Eu prometo."
Tentei abrir a porta novamente, empurrando com todo o meu peso. Inútil. A pressão da água era demasiado forte.
O vidro. Tinha de partir o vidro.
Olhei à volta no escuro. A mala da minha mãe. Ela queria os comprimidos. Abri o porta-luvas com as mãos a tremer, a água a dificultar cada movimento. Encontrei o frasco de comprimidos e, ao lado, um objeto pesado e metálico. Um martelo de emergência que o Leo insistiu que tivéssemos no carro "para o caso de acontecer alguma coisa".
A ironia era tão cruel que me fez soltar uma gargalhada seca e sem humor.
Agarrei no martelo. Com a outra mão, protegi a minha barriga. Respirei fundo e bati no canto do vidro do meu lado com toda a força que consegui reunir.
Uma, duas, três vezes.
Na quarta pancada, o vidro estalou e desfez-se em mil pedaços, deixando a água entrar em força, submergindo-me até ao peito.
O choque da água gelada tirou-me o fôlego, mas eu lutei. Subi pela abertura da janela, com os cacos de vidro a rasgarem-me a pele e as roupas.
Uma vez cá fora, a água dava-me pelos ombros. Agarrei-me ao tejadilho do carro. Depois, voltei-me para a minha mãe. Puxá-la pela janela ia ser impossível.
Nadei até à porta do passageiro de trás, mergulhei e tentei abri-la por dentro. Milagrosamente, ela cedeu.
Com um esforço sobre-humano, puxei o corpo inerte da minha mãe para fora do carro, mantendo a sua cabeça acima da água.
Ela era pesada. O meu corpo gritava de dor, as minhas costas pareciam partir-se, e uma cãibra aguda atravessou a minha barriga.
"Aguenta, mãe. Por favor, aguenta."
Comecei a nadar lentamente em direção à rampa de saída, arrastando-a comigo. Cada braçada era uma agonia. A escuridão era total, exceto pelas luzes de emergência distantes que piscavam no topo da rampa.
Foi aí que ouvi vozes.
"Alguém aqui em baixo?"
"Socorro!" gritei, com a voz rouca. "Estamos aqui! Ajuda!"
Uma luz forte de uma lanterna varreu a água e fixou-se em nós. Vi as silhuetas de dois bombeiros.
A última coisa de que me lembro foi da cãibra na minha barriga se transformar numa dor lancinante e avassaladora. Depois, tudo ficou preto.