O cheiro a fumo acordou-me. Abri os olhos e a primeira coisa que vi foi uma névoa escura a pairar junto ao teto.
O meu coração disparou.
"Mãe!", gritei, saltando da pequena cama nos fundos do nosso restaurante.
A minha mãe, que dormia no catre ao lado, tossiu, acordando sobressaltada. O fogo já lambia as paredes de madeira da cozinha. O calor era insuportável.
Estava grávida de oito meses, a minha barriga era um peso enorme que me desequilibrava. O pânico subiu-me pela garganta. Tínhamos de sair.
Agarrei no braço da minha mãe e puxei-a em direção à porta da frente. Mas o caminho estava bloqueado por uma viga em chamas que tinha caído do teto.
"A porta dos fundos!", gritou a minha mãe, com a voz rouca por causa do fumo.
Corremos para o outro lado, mas o fogo ali estava ainda mais forte. Estávamos presas.
Peguei no meu telemóvel com as mãos a tremer. O meu primeiro instinto foi ligar para o meu marido, Leo.
A chamada foi para a caixa de correio.
Liguei outra vez. E outra. Na quarta tentativa, ele atendeu. A música alta do outro lado da linha quase abafava a sua voz.
"Clara? O que foi? Estou ocupado."
A sua voz soava irritada, distante.
"Leo! Fogo! O restaurante está a arder! Estamos presas, eu e a mãe!"
Fiz uma pausa, à espera que ele entrasse em pânico, que dissesse que vinha a caminho. Em vez disso, ouvi um suspiro de impaciência.
"Um fogo? Tens a certeza? Não exageres, Clara. Hoje é a grande noite da Sofia, a exposição dela. Não posso sair agora, toda a gente importante está aqui."
Sofia. A sua irmã. Sempre a Sofia.
"Leo, isto é sério! Não consigo respirar! Por favor, chama os bombeiros, faz alguma coisa!"
As lágrimas escorriam-me pelo rosto, misturando-se com o suor e a fuligem.
"Os vizinhos não podem chamar os bombeiros? Pára de ser tão dramática. Tenho de ir, a Sofia está a chamar-me ao palco. Falamos mais tarde."
Ele desligou.
Olhei para o ecrã do telemóvel, incrédula. Ele tinha desligado. O meu marido tinha-me desligado na cara enquanto o nosso mundo ardia.
A minha mãe agarrou-se a mim, a tossir violentamente. O ar estava a ficar rarefeito, espesso e venenoso. Senti-me tonta, a minha barriga contraiu-se de dor. O bebé. Meu Deus, o bebé.
Caí de joelhos, sem forças. Foi então que ouvi um estrondo na porta da frente. Uma figura atravessou a barreira de fumo e chamas.
Era um homem. Usava o uniforme dos bombeiros.
"Estão aqui!", gritou ele para alguém lá fora.
Ele correu na nossa direção, colocou uma máscara de oxigénio no rosto da minha mãe e depois ajudou-me a pôr outra.
"Consegue andar?", perguntou ele, a sua voz abafada pela máscara.
Acenti, mas as minhas pernas falharam quando tentei levantar-me. Uma dor aguda atravessou o meu ventre. Gritei.
Ele não hesitou. Pegou-me ao colo com uma facilidade surpreendente e levou-me através do caos para o ar fresco da noite. Outros bombeiros ajudavam a minha mãe.
A última coisa de que me lembro antes de desmaiar foi o som das sirenes e a dor. Uma dor terrível que me roubou o fôlego e o meu filho.