Fechei os olhos. O choro não vinha. Eu estava apenas... vazia.
A porta do quarto abriu-se. Leo entrou, seguido pela sua irmã, Sofia, e pela mãe deles, Helena. Vinham vestidos como se tivessem acabado de sair de uma festa de gala. Leo de fato, Sofia num vestido de cocktail caro.
"Clara! Que susto nos pregaste!", disse Helena, com uma voz que não continha qualquer preocupação genuína.
Leo aproximou-se da cama. Ele nem sequer olhou para a minha barriga.
"Vês? Eu disse que estavas a exagerar. Foi só um pequeno incêndio. Agora estragaste a grande noite da Sofia com o teu drama."
Olhei para ele. Para o homem com quem me casei. O homem que me deixou para morrer.
Sofia cruzou os braços, fazendo beicinho.
"A minha exposição foi um sucesso, mas mal consegui aproveitar. Tive de vir a correr para o hospital por tua causa. O meu agente ficou furioso."
A raiva, fria e cortante, finalmente encontrou o seu caminho através da minha dormência.
"O bebé morreu, Leo", disse eu, com a voz firme e sem emoção.
Ele piscou os olhos, confuso por um momento.
"O quê? Como assim? Os médicos não podiam fazer nada?"
"Não", respondi. "Ele morreu porque o pai dele estava demasiado ocupado numa festa para atender o telefone."
O rosto de Leo contraiu-se. Pela primeira vez, vi um vislumbre de choque. Mas desapareceu tão depressa como veio, substituído pela defesa.
"Não fales assim, Clara. Como é que eu podia saber? Pensei que estavas a ser histérica, como sempre."
"Como sempre?", repeti, uma risada amarga a escapar dos meus lábios.
Helena interveio, com o seu tom superior.
"Clara, não é altura para acusações. O que aconteceu foi uma tragédia, um acidente. Perder um bebé é terrível, mas culpar o meu filho não vai trazê-lo de volta. Agora, temos de ser fortes pela Sofia, que passou por um stress terrível."
Olhei para as três caras à minha frente. O marido egoísta, a cunhada mimada e a sogra cruel. Eles não eram a minha família. Eram estranhos.
"Quero o divórcio, Leo", disse eu, calmamente.
O silêncio no quarto foi total.
Leo olhou para mim como se eu tivesse enlouquecido.
"Divórcio? Estás a brincar? Por causa disto? Vais deitar fora o nosso casamento por causa de um acidente?"
"Não foi um acidente tu teres desligado o telefone", disse eu. "Foi uma escolha. Tu escolheste a festa da tua irmã em vez de mim e do teu filho. E agora, eu escolho a mim."
"És uma ingrata!", gritou Helena. "Depois de tudo o que fizemos por ti! Deixámos-te entrar na nossa família!"
"Eu não quero mais fazer parte da vossa família", afirmei. "Saiam. Todos vocês. Saiam agora."
Leo deu um passo em frente, furioso.
"Tu vais arrepender-te disto, Clara. Vais voltar a rastejar para mim, vais ver. Não tens nada nem ninguém."
"Eu tenho a minha mãe", disse eu, olhando para a mulher que chorava silenciosamente ao meu lado. "E tenho a mim mesma. É mais do que alguma vez tive contigo."
Eles saíram, batendo a porta. Fiquei sozinha com a minha mãe e o silêncio ensurdecedor do meu útero vazio. O divórcio não era uma possibilidade. Era a minha única hipótese de sobrevivência.