O meu irmão, Miguel, morreu.
Morreu na noite do seu aniversário de 18 anos, na mesma noite em que recebeu a sua carta de aceitação da universidade.
A polícia disse que foi um acidente de viação.
O condutor, um homem chamado Tiago, estava bêbado.
O carro dele atingiu o Miguel com tanta força que o meu irmão voou mais de dez metros.
Morreu no local.
Naquela noite, a minha mãe desmaiou de tanto chorar, e o meu pai envelheceu dez anos de um momento para o outro.
Eu fiquei ali parada, sem derramar uma única lágrima.
Apenas senti um frio que me gelou até aos ossos.
Três dias depois, no funeral, vi o meu noivo, Pedro.
Ele não estava a consolar-me.
Estava ao lado da sua irmã mais nova, Sofia, a ampará-la gentilmente.
Sofia chorava tanto que mal se aguentava em pé.
"Pedro, a culpa é toda minha... Se eu não tivesse insistido para que o Miguel me fosse buscar, ele não teria..."
A sua voz estava embargada, cheia de culpa.
Pedro abraçou-a com força, a sua voz era suave e cheia de pena.
"Não digas isso, Sofia. Foi um acidente. Ninguém queria que isto acontecesse."
Um acidente.
Que palavra leve.
Caminhei até eles, passo a passo.
O meu olhar fixou-se em Pedro.
"Onde estavas tu naquela noite?"
A minha voz era rouca, quase irreconhecível para mim mesma.
Pedro franziu a testa, uma ponta de impaciência no seu olhar.
"Eva, agora não é altura para isto. A Sofia já está a sentir-se mal o suficiente."
"Responde-me."
Insisti, olhando diretamente para ele.
A sua hesitação confirmou a minha suspeita.
A Sofia soluçou ainda mais alto, agarrando-se ao braço do Pedro.
"Irmão, não culpes a Eva... Ela perdeu o irmão, é normal que esteja de mau humor."
Depois, virou-se para mim, com os olhos vermelhos e inchados.
"Eva, desculpa. Eu sei que o que quer que eu diga não serve de nada, mas eu realmente não queria que o Miguel..."
"Tu não querias?"
Interrompi-a, uma risada fria escapou-me dos lábios.
"Sofia, o Miguel era o meu irmão. Ele tinha acabado de fazer 18 anos. A vida dele mal tinha começado."
A minha calma pareceu assustá-los.
Pedro deu um passo em frente, tentando segurar o meu braço.
"Eva, acalma-te. Vamos falar disto depois do funeral, ok?"
Afastei a sua mão.
"Não há nada para falar. Pedro, vamos cancelar o noivado."
Disse isto de forma clara, palavra por palavra.
O ar pareceu congelar.
A expressão de Pedro mudou de impaciência para choque, e depois para raiva.
"O que é que estás a dizer? Cancelar o noivado? Só porque eu estava a consolar a minha irmã?"
"A consolar a tua irmã?"
Repeti, o canto da minha boca curvou-se num sorriso de escárnio.
"Na noite em que o meu irmão morreu, liguei-te mais de vinte vezes. Onde estavas tu? Estavas com a tua irmã, a celebrar o aniversário dela, certo?"
O rosto de Pedro ficou pálido.
"Eva, não sejas irracional. A Sofia estava doente, eu tinha de cuidar dela."
"Doente?"
Olhei para a Sofia, que parecia frágil e lamentável.
"Que doença tão grave que te impediu de atender o telefone do teu noivo, cuja família estava a passar por uma tragédia?"
A minha voz não era alta, mas cada palavra era como uma pedra atirada para um lago calmo.
Os convidados ao nosso redor começaram a cochichar.
O rosto de Pedro ficou lívido.
"Já chega! Eva! Estás a fazer uma cena!"
"Estou a fazer uma cena?"
Dei uma risada.
"Pedro, tu sabias. Sabias que o Tiago, o condutor bêbado, é o teu primo. Sabias que ele ia buscar a Sofia à festa dela. Sabias de tudo, não sabias?"
O silêncio dele foi a resposta mais ruidosa.
Naquele momento, todo o meu mundo desabou.
O amor, as promessas, o futuro que tínhamos planeado.
Tudo se tornou uma piada.