Quando cheguei a casa, os meus pais estavam sentados na sala de estar, em silêncio.
A atmosfera era pesada e opressiva.
"Onde estiveste?"
O meu pai perguntou, a sua voz era um murmúrio cansado.
"Fui dar uma volta."
Respondi, evitando o seu olhar.
A minha mãe, com os olhos vermelhos de tanto chorar, olhou para mim.
"Eva, o pai do Pedro ligou. Ele pediu desculpa. Ele disse que vão compensar-nos."
"Compensar?"
Ri-me, um som amargo.
"Como é que eles planeiam compensar-nos? Com dinheiro? Quanto vale a vida do Miguel?"
"Eva, não fales assim."
A minha mãe repreendeu-me suavemente.
"Eu sei que estás a sofrer, mas..."
"Mas o quê? Devo aceitar o dinheiro deles e fingir que nada aconteceu?"
Levantei a voz, a raiva a borbulhar dentro de mim.
"Eles mataram o Miguel! E mentiram-nos! Como podem esperar que os perdoemos?"
"Ninguém está a dizer para perdoares!"
O meu pai interveio, a sua voz era severa.
"Mas temos de ser realistas. Eles são uma família poderosa. Lutar contra eles não nos vai trazer nada de bom."
"Então devemos simplesmente desistir? Deixar que o assassino do Miguel se safe com uma pena leve?"
Olhei para o meu pai, incrédula.
"Miguel era o teu filho! Como podes ser tão calmo?"
O meu pai levantou-se, o seu rosto contorcido de dor.
"Tu achas que eu estou calmo? Achas que eu não sinto dor?"
A sua voz tremeu.
"Todas as noites, eu vejo o teu irmão nos meus sonhos. Ele pergunta-me por que não o protegi."
Lágrimas brotaram nos seus olhos.
"Mas o que posso fazer? Eu sou apenas um homem comum. Não tenho dinheiro, não tenho poder. Como posso lutar contra eles?"
O seu desamparo atingiu-me como um soco no estômago.
Senti-me culpada por ter gritado com ele.
Mas não podia recuar.
"Eu vou lutar."
Disse eu, a minha voz era suave mas firme.
"Já contratei um advogado."
Os meus pais olharam para mim, chocados.
"Tu o quê?"
A minha mãe exclamou.
"Eva, isso é uma loucura! Vais arruinar a tua vida!"
"A minha vida já está arruinada."
Respondi calmamente.
"O Miguel se foi. O meu noivado acabou. O que mais tenho a perder?"
"Tens-nos a nós!"
A minha mãe chorou.
"Por favor, Eva, não faças isto. Pensa em nós."
Olhei para os meus pais, para os seus rostos envelhecidos e cheios de preocupação.
O meu coração doeu.
Mas a imagem do meu irmão, deitado numa poça de sangue, era mais forte.
"É precisamente porque estou a pensar em nós que tenho de fazer isto."
Disse eu.
"Não posso deixar que o sacrifício do Miguel seja em vão. Não posso viver comigo mesma sabendo que não fiz tudo o que podia para lhe fazer justiça."
Virei-me e fui para o meu quarto, fechando a porta atrás de mim.
Encostei-me à porta, o meu corpo a tremer.
Ouvi os soluços da minha mãe do outro lado.
Cada soluço era como uma faca no meu coração.
Sabia que os estava a magoar.
Mas não via outra saída.
Esta era a minha batalha.
E eu tinha de a travar, mesmo que tivesse de o fazer sozinha.