Quando abri os olhos, o teto branco do hospital foi a primeira coisa que vi.
O cheiro de desinfetante era forte.
O meu noivo, Tiago, estava sentado ao meu lado, a olhar para o telemóvel com uma expressão sombria.
Ele nem reparou que eu tinha acordado.
A minha garganta estava seca, e a minha voz saiu rouca.
"Tiago..."
Ele levantou a cabeça, a sua irritação era óbvia.
"Finalmente acordaste? A cirurgia correu bem. O médico disse que vais recuperar."
A sua voz era fria, sem um pingo de preocupação.
"Onde está a minha mãe?", perguntei.
"Ela está a caminho," ele respondeu impacientemente, voltando a olhar para o telemóvel. "A avó não está bem, teve de ir para casa primeiro para cuidar dela."
A avó dele. Claro.
"E o nosso casamento?", a minha voz tremeu um pouco.
Tiago suspirou, um som longo e cansado.
"Sofia, vamos adiar. Não vês a situação em que estamos? A tua perna está partida, a minha avó está doente. Não temos tempo nem energia para um casamento agora."
Ele disse isto como se fosse a coisa mais razoável do mundo.
Como se o acidente não tivesse sido culpa da irmã dele.
"Adiar?", repeti, a palavra soava estranha na minha boca. "A Laura atropelou-me com o carro dela, Tiago. E agora queres adiar o nosso casamento por causa disso?"
A sua cara fechou-se.
"Não fales assim da Laura. Ela não fez por mal. Estava em pânico, o cão dela tinha acabado de ser atacado por um cão de rua. Ela estava a correr para o veterinário."
Um cão.
A minha perna partida, a nossa vida virada do avesso, por causa de um cão.
"Ela estava a correr para o veterinário e não me viu na passadeira?", a minha voz subiu de tom.
"Ela já pediu desculpa, Sofia! O que mais queres que ela faça? Ela está traumatizada! A culpa foi do dono do outro cão que o deixou andar sem trela!"
Senti um frio a percorrer-me, um frio que não vinha da anestesia.
O meu telemóvel estava na mesa de cabeceira. Peguei nele com a mão a tremer.
Abri as redes sociais.
A primeira coisa que vi foi uma foto da Laura.
Ela estava no melhor restaurante da cidade, a sorrir para a câmara, com um copo de vinho na mão.
A legenda dizia: "A celebrar a recuperação do meu bebé! Um susto enorme, mas agora está tudo bem. Obrigada ao meu irmão maravilhoso, Tiago, por todo o apoio!"
A foto tinha sido publicada há uma hora.
Enquanto eu estava na sala de cirurgia.
Enquanto o Tiago me dizia que a irmã dele estava traumatizada.
Mostrei-lhe o telemóvel.
"Traumatizada? Parece que ela está a recuperar muito bem."
Tiago olhou para a foto e o seu rosto ficou vermelho.
"Isso... isso foi para a animar. Ela estava muito em baixo."
"Em baixo", repeti, sem emoção. "Tiago, vamos cancelar o casamento."
Ele olhou para mim, chocado.
"O quê? Estás a falar a sério? Vais acabar tudo por causa disto? Depois de tudo o que passámos?"
"Sim," disse eu, com uma clareza que me surpreendeu. "Acabou."
"Não sejas ridícula, Sofia! Estás a exagerar por causa de um pequeno acidente. A Laura vai pagar todas as tuas despesas médicas."
"Não é pelo dinheiro," respondi calmamente. "É por ti. Pela tua escolha."
Ele ficou em silêncio, a fúria a crescer nos seus olhos.
"A minha escolha? Eu escolhi ajudar a minha família! Algo que tu aparentemente não entendes. Estás a ser egoísta!"
Com isso, ele levantou-se abruptamente.
"Pensa bem no que estás a fazer. Quando saíres desse teu drama, falamos."
Ele saiu do quarto, batendo a porta com força.
O som ecoou no silêncio.
Olhei para a minha perna, imobilizada com gesso.
O nosso casamento não foi adiado.
Foi cancelado.
Por mim.
Naquele momento, eu soube que não havia volta a dar.