A Perne Quebrada e o Coração Curado
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Capítulo 1

Quando abri os olhos, o teto branco do hospital foi a primeira coisa que vi.

O cheiro de desinfetante era forte.

O meu noivo, Tiago, estava sentado ao meu lado, a olhar para o telemóvel com uma expressão sombria.

Ele nem reparou que eu tinha acordado.

A minha garganta estava seca, e a minha voz saiu rouca.

"Tiago..."

Ele levantou a cabeça, a sua irritação era óbvia.

"Finalmente acordaste? A cirurgia correu bem. O médico disse que vais recuperar."

A sua voz era fria, sem um pingo de preocupação.

"Onde está a minha mãe?", perguntei.

"Ela está a caminho," ele respondeu impacientemente, voltando a olhar para o telemóvel. "A avó não está bem, teve de ir para casa primeiro para cuidar dela."

A avó dele. Claro.

"E o nosso casamento?", a minha voz tremeu um pouco.

Tiago suspirou, um som longo e cansado.

"Sofia, vamos adiar. Não vês a situação em que estamos? A tua perna está partida, a minha avó está doente. Não temos tempo nem energia para um casamento agora."

Ele disse isto como se fosse a coisa mais razoável do mundo.

Como se o acidente não tivesse sido culpa da irmã dele.

"Adiar?", repeti, a palavra soava estranha na minha boca. "A Laura atropelou-me com o carro dela, Tiago. E agora queres adiar o nosso casamento por causa disso?"

A sua cara fechou-se.

"Não fales assim da Laura. Ela não fez por mal. Estava em pânico, o cão dela tinha acabado de ser atacado por um cão de rua. Ela estava a correr para o veterinário."

Um cão.

A minha perna partida, a nossa vida virada do avesso, por causa de um cão.

"Ela estava a correr para o veterinário e não me viu na passadeira?", a minha voz subiu de tom.

"Ela já pediu desculpa, Sofia! O que mais queres que ela faça? Ela está traumatizada! A culpa foi do dono do outro cão que o deixou andar sem trela!"

Senti um frio a percorrer-me, um frio que não vinha da anestesia.

O meu telemóvel estava na mesa de cabeceira. Peguei nele com a mão a tremer.

Abri as redes sociais.

A primeira coisa que vi foi uma foto da Laura.

Ela estava no melhor restaurante da cidade, a sorrir para a câmara, com um copo de vinho na mão.

A legenda dizia: "A celebrar a recuperação do meu bebé! Um susto enorme, mas agora está tudo bem. Obrigada ao meu irmão maravilhoso, Tiago, por todo o apoio!"

A foto tinha sido publicada há uma hora.

Enquanto eu estava na sala de cirurgia.

Enquanto o Tiago me dizia que a irmã dele estava traumatizada.

Mostrei-lhe o telemóvel.

"Traumatizada? Parece que ela está a recuperar muito bem."

Tiago olhou para a foto e o seu rosto ficou vermelho.

"Isso... isso foi para a animar. Ela estava muito em baixo."

"Em baixo", repeti, sem emoção. "Tiago, vamos cancelar o casamento."

Ele olhou para mim, chocado.

"O quê? Estás a falar a sério? Vais acabar tudo por causa disto? Depois de tudo o que passámos?"

"Sim," disse eu, com uma clareza que me surpreendeu. "Acabou."

"Não sejas ridícula, Sofia! Estás a exagerar por causa de um pequeno acidente. A Laura vai pagar todas as tuas despesas médicas."

"Não é pelo dinheiro," respondi calmamente. "É por ti. Pela tua escolha."

Ele ficou em silêncio, a fúria a crescer nos seus olhos.

"A minha escolha? Eu escolhi ajudar a minha família! Algo que tu aparentemente não entendes. Estás a ser egoísta!"

Com isso, ele levantou-se abruptamente.

"Pensa bem no que estás a fazer. Quando saíres desse teu drama, falamos."

Ele saiu do quarto, batendo a porta com força.

O som ecoou no silêncio.

Olhei para a minha perna, imobilizada com gesso.

O nosso casamento não foi adiado.

Foi cancelado.

Por mim.

Naquele momento, eu soube que não havia volta a dar.

            
            

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