A minha mãe chegou pouco depois, com o rosto cansado.
"Minha querida, como te sentes?"
Ela sentou-se na cadeira que o Tiago tinha deixado vazia, a sua mão quente a segurar a minha, que estava fria.
"Onde estiveste, mãe? O Tiago disse que foste para casa por causa da avó."
A minha mãe hesitou, desviando o olhar.
"Sim, a Dona Helena não se estava a sentir bem. A pressão arterial subiu. A Laura ligou, desesperada. Tive de ir lá ver como ela estava."
Senti o meu coração afundar um pouco mais.
"A Laura ligou e tu foste? Mãe, a filha dela atropelou-me."
"Eu sei, querida, eu sei," ela disse, com a voz cheia de uma cansaço que eu conhecia bem. "Mas a Helena é uma senhora idosa, e a Laura estava sozinha com ela. O Tiago estava aqui contigo. Eu só... tentei ajudar."
Ela sempre tentava ajudar toda a gente, menos a si mesma. E, por vezes, menos a mim.
"A Laura não estava sozinha," disse eu, com a voz vazia. "Ela estava a celebrar num restaurante com o Tiago."
Mostrei-lhe a foto no meu telemóvel.
A minha mãe olhou para a imagem, e o seu rosto perdeu a cor.
Ela ficou em silêncio por um longo tempo.
"Eu não sabia," sussurrou ela finalmente. "Eles disseram-me que estavam em casa."
Claro que disseram.
"Mãe, eu cancelei o casamento."
Ela olhou para mim, os seus olhos a encherem-se de pânico.
"Sofia, não! Não podes fazer isso. Foi um acidente. As pessoas cometem erros. Tu e o Tiago amam-se."
"Eu não o amo mais," disse eu. A mentira soou quase como uma verdade. "E ele não me ama. Ele escolheu a irmã dele. Ele sempre a escolherá."
"Isso não é verdade," ela insistiu. "Ele está apenas stressado. A família dele depende muito dele. Tens de ser compreensiva."
Compreensiva.
Eu estava numa cama de hospital com uma perna partida, e tinha de ser compreensiva.
"Não," disse eu, firme. "Acabou. E preciso que fiques do meu lado."
A minha mãe começou a chorar, lágrimas silenciosas a escorrerem-lhe pelo rosto.
"Sofia, por favor, pensa bem. O que vais fazer? Um casamento cancelado... as pessoas vão falar. E a nossa casa? O Tiago pagou a maior parte da entrada."
"É apenas uma casa, mãe."
"Não é apenas uma casa! É a nossa segurança! Onde vamos viver?"
A sua angústia era palpável. Eu entendia o seu medo. Depois do meu pai nos ter deixado, ela lutou muito para nos dar uma vida decente. Para ela, o Tiago não era apenas o meu noivo, era a promessa de estabilidade que ela nunca teve.
"Vamos dar um jeito. Eu dou um jeito."
"Como?", ela soluçou. "Não podes trabalhar assim. Eu não ganho o suficiente."
Naquele momento, o telemóvel dela tocou.
Era a Dona Helena, a mãe do Tiago.
A minha mãe atendeu, tentando controlar a voz.
"Olá, Helena... Sim, estou com ela... Ela está... está a recuperar."
A voz da Helena era alta e estridente, mesmo através do telefone.
"Passa-me essa tua filha ingrata! Quero falar com ela!"
A minha mãe olhou para mim, com os olhos a implorar.
Recusei com a cabeça.
"Ela não pode falar agora, está a descansar," disse a minha mãe, com a voz a tremer.
"Descansar? Depois de partir o coração do meu filho? Ele chegou a casa devastado! Tudo por causa de um arranhão na perna! Que egoísta! Depois de tudo o que fizemos por vocês, a dar-vos um teto, é esta a gratidão que recebemos?"
Um arranhão na perna.
A minha mãe desligou o telefone, pálida como uma folha de papel.
Ela olhou para mim, a derrota estampada no seu rosto.
"Vês?", disse eu, baixinho. "É isto que eles pensam de nós."
Ela não respondeu. Apenas ficou ali sentada, a chorar silenciosamente no quarto de hospital estéril.