A Perne Quebrada e o Coração Curado
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Capítulo 3

Passei os dois dias seguintes no hospital a organizar a minha nova vida pelo telemóvel.

Liguei ao senhorio do nosso apartamento e expliquei a situação. Cancelei o contrato.

Liguei para o local do casamento, para o catering, para o fotógrafo. Cancelei tudo.

Cada chamada era um pequeno corte, a separar-me do futuro que eu pensava que queria.

O Tiago não me ligou. Não mandou uma única mensagem.

A Laura também não.

Era como se eu tivesse desaparecido do mundo deles no momento em que me recusei a seguir o guião.

A minha mãe ficava sentada ao meu lado, em silêncio, o seu rosto uma máscara de preocupação. Ela não concordava com a minha decisão, eu sabia. Mas também não discutiu mais. Ela viu a frieza da família Patterson em primeira mão.

No terceiro dia, recebi alta.

A minha mãe ajudou-me a entrar num táxi, a minha perna engessada era um fardo pesado e incómodo.

Não fomos para o apartamento que eu partilhava com o Tiago. Fomos para um pequeno quarto que a minha mãe alugou numa pensão barata.

O quarto era minúsculo, com uma cama, um pequeno armário e uma janela que dava para uma parede de tijolos.

O cheiro a mofo era subtil, mas presente.

"É temporário," disse a minha mãe, evitando o meu olhar enquanto desfazia a minha pequena mala. "Até encontrarmos algo melhor."

Sentei-me na beira da cama. O gesso fazia com que a minha perna ficasse esticada de forma estranha.

"Está tudo bem, mãe."

Mas não estava. Eu via o medo nos seus olhos. O medo de voltar à estaca zero.

Naquela noite, enquanto a minha mãe dormia na poltrona desconfortável ao lado da cama, eu não consegui dormir.

Peguei no telemóvel.

Tinha uma mensagem.

Era do meu pai.

Não falava com ele há quase cinco anos. Ele foi-se embora quando eu tinha dezasseis anos, deixando a mim e à minha mãe com uma montanha de dívidas e um coração partido.

A mensagem era curta.

"Soube do teu acidente. Estás bem? Onde estás?"

Hesitei. Uma parte de mim queria ignorar. A parte zangada e magoada.

Mas outra parte, a parte que se sentia completamente sozinha e perdida, precisava de algo. De alguém.

Respondi.

"Estou bem. Tive alta hoje. Estou numa pensão com a mãe."

Enviei a morada.

Não esperava uma resposta.

Mas ele respondeu imediatamente.

"Estou a ir para aí."

Senti um nó na garganta. Não sabia se era bom ou mau.

Meia hora depois, ouvi uma batida suave na porta.

A minha mãe acordou, assustada.

"Quem é?", sussurrou ela.

"Sou eu," respondi, e arrastei-me para abrir a porta.

O meu pai estava parado no corredor mal iluminado.

Ele parecia mais velho. Havia mais cinzento no seu cabelo, mais rugas à volta dos seus olhos. Mas era ele.

Ele olhou para mim, depois para a minha perna engessada, e depois para o quarto minúsculo atrás de mim.

A sua expressão era indecifrável.

"Sofia," disse ele, com a voz rouca.

A minha mãe levantou-se, o seu rosto uma mistura de choque e raiva.

"O que estás aqui a fazer, Ricardo?", disse ela, com a voz a tremer.

O meu pai não olhou para ela. Os seus olhos estavam fixos em mim.

"Vim buscar a minha filha."

            
            

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