A chamada do meu marido, Pedro, chegou no momento em que eu estava a assinar os papéis do divórcio.
O advogado, um homem de meia-idade com olhos cansados, empurrou os documentos na minha direção.
"Tem a certeza, Sra. Sofia? Depois de assinar, não há volta a dar."
Eu peguei na caneta, a minha mão firme.
"Tenho a certeza."
O meu telemóvel vibrou incessantemente sobre a mesa de madeira polida, o nome "Pedro" a piscar no ecrã.
Ignorei-o.
A minha sogra, a Dona Helena, estava sentada à minha frente, com uma expressão de desdém.
"Finalmente tomaste uma decisão sensata, Sofia. Já era sem tempo. O meu filho merece alguém melhor, não uma mulher que nem sequer consegue dar-lhe um herdeiro."
As suas palavras eram venenosas, mas eu já não sentia nada.
Há uma semana, eu teria chorado. Há uma semana, eu estava grávida do nosso filho, um bebé que tentámos ter durante três longos anos.
Agora, o meu ventre estava vazio.
O bebé tinha-se ido, e com ele, qualquer razão para eu continuar neste casamento.
Assinei o meu nome no final da página. Sofia Almeida. Em breve, apenas Sofia Almeida outra vez.
"Espero que o seu filho encontre a felicidade que procura," disse eu, com uma calma que me surpreendeu a mim mesma.
Dona Helena bufou.
"Ele já a encontrou. A Clara é uma rapariga maravilhosa, de boa família. E o mais importante, ela pode dar-lhe filhos. Muitos filhos."
Clara. A minha prima. A mulher para quem o meu marido correu quando eu mais precisei dele.
O meu telemóvel parou de tocar. Um segundo depois, começou de novo.
Desta vez, atendi. Coloquei em altifalante para que a sua querida mãe pudesse ouvir.
A voz de Pedro soou, cheia de pânico e irritação.
"Sofia, onde diabos te meteste? A Clara caiu das escadas! Estou no hospital com ela, o médico diz que ela pode perder o bebé! Como é que podes ser tão insensível e desaparecer numa altura destas?"
Um bebé.
Então era verdade. O rumor que eu tinha tentado ignorar, a suspeita que roía o meu coração.
Dona Helena arregalou os olhos, primeiro em choque, depois uma alegria mal disfarçada espalhou-se pelo seu rosto.
"Um bebé? O meu Pedrinho vai ser pai?"
Olhei diretamente para ela.
"Parece que sim. Parabéns, Dona Helena. Vai ser avó."
A minha voz estava desprovida de emoção.
Ao telefone, Pedro continuava a gritar.
"Para de ser egoísta, Sofia! A Clara precisa de mim! Ela precisa de apoio! Tu sabes o quão frágil ela é! Porque é que tens de criar sempre problemas?"
Eu ri. Um som seco, sem alegria.
"Eu a criar problemas, Pedro? Eu? A mulher que te ligou vinte e sete vezes enquanto sangrava no chão da casa de banho, a perder o nosso filho?"
Houve um silêncio repentino do outro lado da linha.
"A mulher que te implorou para voltares para casa, mas tu estavas demasiado ocupado a 'consolar' a minha prima porque ela tinha tido um 'dia mau'?"
"Sofia, eu..."
"Não te preocupes, Pedro. Eu já não preciso de ti. Assinei os papéis do divórcio. Estamos quites."
"O quê? Divórcio? Estás louca? Por causa de um mal-entendido? Eu ia para casa!"
"Não foi um mal-entendido. Foi uma escolha. Tu escolheste-a a ela. Agora vive com a tua escolha."
Desliguei a chamada e bloqueei o seu número.
O advogado pigarreou, recolhendo os papéis.
"Vou tratar de tudo. Receberá a sua cópia por correio."
Levantei-me, as minhas pernas um pouco trémulas.
Dona Helena olhou para mim, o seu desprezo agora misturado com um pingo de incerteza.
"Tu... tu perdeste o bebé?"
"Sim. Há uma semana. Enquanto o seu filho consolava a amante grávida."
Virei-me e saí do escritório, sem olhar para trás.
O ar da rua nunca me pareceu tão fresco.
Eu estava livre.