Quando o Passado É Uma Tela em Branco
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Capítulo 1

Quando o meu filho, Leo, me ligou, eu estava no meio de uma reunião de pais e mestres na escola da minha filha, Sofia.

O ecrã do telemóvel iluminou-se com o nome dele.

Recusei a chamada e enviei uma mensagem rápida: "Estou ocupada, ligo-te mais tarde."

A professora de Sofia, a Sra. Almeida, estava a falar sobre a importância das atividades extracurriculares.

"A Sofia tem um talento natural para a música, Sra. Costa. Considerou inscrevê-la em aulas de piano?"

Eu sorri, sentindo um orgulho imenso.

"Sim, já falámos sobre isso. Ela parece muito entusiasmada."

O meu telemóvel vibrou novamente. Leo. E outra vez. E outra.

Uma sensação de irritação começou a borbulhar dentro de mim. Ele sabia que eu estaria na escola da irmã.

Pedi licença à Sra. Almeida e saí para o corredor.

Atendi, a minha voz já carregada de impaciência.

"Leo, o que foi? Não podes esperar um pouco? Estou na escola da tua irmã."

Do outro lado da linha, a voz dele soou ofegante, misturada com o som de sirenes distantes.

"Mãe... o pai... ele teve um acidente de carro. Estamos a caminho do Hospital de São José."

O meu mundo parou. O corredor da escola pareceu esticar-se até ao infinito.

"O quê? Como é que ele está? Ele está bem?"

"Eu não sei, mãe. Ele não parece bem. A ambulância está a andar muito depressa. Por favor, vem para cá."

A voz dele tremeu na última frase, a voz de um rapaz assustado, não do jovem adulto que ele tentava ser.

"Estou a ir. Fica com ele."

Desliguei e corri de volta para a sala.

"Sra. Almeida, peço imensa desculpa, surgiu uma emergência familiar. Tenho de ir."

Nem esperei pela resposta dela. Agarrei na mão da Sofia e praticamente a arrastei para fora da escola.

"Mãe, o que se passa? O que aconteceu?"

"O pai teve um acidente, querida. Temos de ir para o hospital."

O rosto dela ficou pálido.

Enquanto conduzia, a minha mente era um turbilhão. Miguel, o meu marido, sempre foi um condutor cuidadoso. Como é que isto pôde acontecer?

Liguei-lhe ao telemóvel. Caixa de correio. Liguei outra vez. Caixa de correio.

O pânico começou a apertar-me o peito.

Finalmente, chegámos ao hospital. Corri para as urgências, com a Sofia a reboque.

Vi o Leo sentado num banco, a cabeça entre as mãos.

"Leo! Onde está o teu pai?"

Ele levantou a cabeça. Os seus olhos estavam vermelhos.

"Levaram-no para a cirurgia. O médico disse... disse que é grave. Hemorragia interna."

Naquele momento, o telemóvel do Leo tocou. Ele olhou para o ecrã e o seu rosto contraiu-se numa expressão de pura raiva.

Ele atendeu, colocando em alta-voz.

"Leo, querido, como está o teu pai? Estou tão preocupada!"

Era a voz de Clara, a sócia do meu marido. Uma voz melosa e cheia de uma falsa preocupação que me revirou o estômago.

O meu marido e ela eram donos de uma pequena empresa de arquitetura.

O Leo não respondeu.

"Leo? Estás aí? Eu estava com ele quando aconteceu. Foi tudo tão rápido. Um carro veio do nada..."

A voz dela vacilou, como se estivesse a chorar.

"Onde é que vocês estavam, Clara?", perguntei, a minha voz fria como gelo.

Houve um silêncio do outro lado.

"Nós... estávamos a voltar de uma reunião com um cliente em Sintra."

Sintra. Fica na direção completamente oposta da nossa casa e do escritório.

"Uma reunião num sábado à noite?", a minha voz era cortante.

"Sim... era um cliente importante, queria discutir os planos fora do horário de expediente."

Mentira. Conheço a agenda do Miguel de cor. Não havia nenhuma reunião marcada para hoje.

Agarrei no telemóvel da mão do Leo e desliguei.

Olhei para o meu filho, cujo rosto refletia a mesma desconfiança que eu sentia.

"Mãe, eles não estavam a trabalhar."

Não, não estavam. E, de repente, o acidente de carro deixou de ser a única tragédia do dia.

            
            

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