Quando o Passado É Uma Tela em Branco
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Capítulo 4

Com a informação da testemunha, a minha determinação solidificou-se. Fui à receção dos Cuidados Intensivos.

"Bom dia, eu gostaria de fazer uma restrição de visitas para o meu marido, Miguel Costa."

A enfermeira olhou para mim por cima dos óculos. "Uma restrição? Para quem, especificamente?"

"Para Clara Mendes. Ela não está autorizada a entrar neste quarto ou a receber qualquer informação sobre o estado dele."

A enfermeira anotou o nome. "Muito bem, Sra. Costa. Vou informar a equipa."

Era um pequeno passo, mas senti-me a retomar o controlo do nosso espaço, da nossa vida. Clara não ia mais pairar sobre nós como um abutre.

Voltei para junto do Leo.

"O que fazemos agora?", perguntou ele.

"Agora, vamos a casa. Precisamos de encontrar o testamento do teu pai e quaisquer outros documentos da empresa."

Deixámos o nosso número na receção, com instruções para nos ligarem caso houvesse qualquer alteração, e fomos para casa.

Entrar em casa foi estranho. Tudo estava no mesmo lugar, mas tudo parecia diferente. O casaco de Miguel ainda estava pendurado no cabide perto da porta. Os seus sapatos estavam alinhados ao lado dos meus. Era como um museu de uma vida que já não existia.

"Eu procuro no escritório. Tu vês os armários do quarto", instruí o Leo.

O escritório de Miguel era o seu santuário. Estantes cheias de livros de arquitetura, plantas de projetos espalhadas pela mesa, o cheiro fraco do seu aftershave no ar.

Comecei a vasculhar as gavetas. Contas, recibos, contratos antigos. Nada de testamentos.

Abri o cofre escondido atrás de uma pintura. Dentro, encontrei os nossos passaportes, as certidões de nascimento dos miúdos e alguns documentos de propriedade. Mas nenhum testamento.

O Leo apareceu à porta. "Nada no quarto. Apenas roupas e papéis velhos."

Frustrada, sentei-me na cadeira de Miguel. Onde é que ele o guardaria?

Passei a mão pela superfície da secretária, a minha mente a trabalhar. O meu olhar caiu sobre um pequeno cofre de documentos que ele costumava levar nas viagens de negócios. Estava enfiado na prateleira de baixo.

Peguei nele. Estava trancado com um código de quatro dígitos.

Tentei o nosso aniversário de casamento. Nada. O aniversário dele. Nada. O da Sofia. O do Leo. Nada.

"Qual era o código?", perguntei ao Leo.

Ele encolheu os ombros. "Não faço ideia."

Senti uma onda de desespero. Olhei para o cofre. Quatro dígitos. Tinha de ser algo significativo para ele.

Então, ocorreu-me. A data em que eles fundaram a empresa. A "Archinova".

Fui ao site da empresa no meu telemóvel. A secção "Sobre Nós" dizia: "Fundada a 15 de Março de 2010".

1503.

Digitei os números. O cofre abriu-se com um clique.

Lá dentro, havia uma pasta. E dentro da pasta, o seu testamento.

O meu coração batia descompassado enquanto eu o abria. O Leo aproximou-se, a ler por cima do meu ombro.

A linguagem era formal, jurídica. Mas a essência era clara.

"Deixo todos os meus bens, móveis e imóveis, incluindo a minha participação de 50% na empresa Archinova Lda., à minha esposa, Ana Costa, e aos meus filhos, Leo Costa e Sofia Costa, em partes iguais..."

Respirei de alívio. Era o que eu esperava.

Mas depois continuei a ler. Havia um adendo. Uma folha separada, datada de há apenas seis meses, autenticada por um notário diferente.

"No caso da minha morte ou incapacidade permanente, nomeio Clara Mendes como diretora administrativa da minha participação na Archinova Lda., com plenos poderes para tomar decisões em meu nome, garantindo a continuidade dos negócios. Ela terá direito a um salário de gestão a ser retirado dos lucros da minha parte."

O ar fugiu dos meus pulmões.

"O quê?", disse o Leo, a sua voz incrédula. "Ele deu-lhe o controlo?"

Não era apenas o controlo. Era o acesso ao nosso dinheiro. Ela podia fixar o seu próprio "salário de gestão" num valor exorbitante, sangrando a nossa herança até não sobrar nada.

Era um golpe de mestre. Uma forma de a sustentar mesmo depois de ele desaparecer, tudo sob o véu da legalidade e da "continuidade dos negócios".

Ele não a tinha apenas como amante. Ele tinha planeado um futuro para ela. Um futuro à nossa custa.

A traição era mais profunda, mais calculada do que eu alguma vez imaginei.

"Aquele desgraçado", sussurrei, amassando o papel na minha mão.

"Mãe, não podemos deixar que isto aconteça", disse o Leo, a sua voz dura.

"Não vamos", respondi, o meu olhar a encontrar o dele. "Ela pode pensar que ganhou, mas a guerra ainda agora começou."

                         

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