Quando o Passado É Uma Tela em Branco
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Capítulo 2

As horas arrastavam-se na sala de espera. Sofia adormeceu no meu colo, exausta e assustada. Leo andava de um lado para o outro, um animal enjaulado.

Eu mantinha-me imóvel, a mente a processar a traição.

Não era a primeira vez que eu suspeitava. Houve chamadas tardias que ele dizia serem de clientes, viagens de "negócios" de fim de semana que pareciam demasiado frequentes.

Mas eu escolhi ignorar. Pela nossa família. Pelos nossos filhos.

Agora, a verdade tinha-me atingido como um carro desgovernado.

Finalmente, um médico com uma bata verde apareceu à porta.

"Família de Miguel Costa?"

Levantámo-nos de um salto.

"Somos nós. Eu sou a esposa."

O rosto do médico era grave.

"A cirurgia correu como esperado. Conseguimos controlar a hemorragia, mas ele sofreu um traumatismo craniano significativo. As próximas 48 horas são críticas. Induzimos o coma para permitir que o cérebro dele descanse e recupere."

Coma. A palavra ecoou na sala silenciosa.

"Podemos vê-lo?", perguntei, a voz a falhar.

"Sim, mas apenas um de cada vez, e por pouco tempo. Ele está nos Cuidados Intensivos."

Decidi que eu iria primeiro. Deixei Sofia com Leo e segui a enfermeira por um labirinto de corredores.

O quarto era frio e cheio do som rítmico das máquinas. Miguel estava deitado na cama, pálido, com um tubo na boca e fios ligados ao peito. A cabeça estava enfaixada.

Era o meu marido, mas ao mesmo tempo um estranho.

Aproximei-me e toquei-lhe na mão. Estava fria.

"Miguel", sussurrei. "Porquê?"

Nenhuma resposta. Apenas o bip constante do monitor cardíaco.

Fiquei ali, a olhar para ele, e não senti a onda de tristeza que esperava. Senti uma raiva fria e profunda. Raiva por ele ter arriscado tudo, a nossa vida, a nossa família, por uma mentira.

Quando voltei para a sala de espera, Clara estava lá.

Ela tinha mudado de roupa. Usava umas calças de fato de treino e uma camisola larga. Tinha os olhos inchados, como se tivesse chorado durante horas. Uma performance digna de um Óscar.

"Ana! Oh, meu Deus, como é que ele está?", disse ela, correndo na minha direção para me abraçar.

Afastei-me.

"Ele está em coma."

"Oh, não!", ela levou as mãos à boca. "É tudo culpa minha. Eu estava a conduzir..."

Então, a mentira da reunião com o cliente já tinha evoluído. Agora era ela ao volante.

"Onde é que vocês estavam realmente, Clara?", perguntei, a minha voz baixa e perigosa.

Ela recuou, surpreendida pela minha hostilidade.

"Eu já te disse. Vínhamos de uma reunião..."

"Não mintas para mim!", a minha voz subiu de tom, atraindo os olhares de outras pessoas na sala. "Onde é que vocês estavam?"

Leo levantou-se e veio para o meu lado, um guarda silencioso.

Clara olhou de mim para o Leo, o seu rosto a desmoronar-se sob a pressão.

"Nós... fomos jantar fora."

"Jantar fora. Em Sintra. Num sábado à noite. E tu ias a conduzir o carro dele?"

Cada pergunta era uma acusação.

"Ele... ele tinha bebido um pouco de vinho, eu ofereci-me para conduzir de volta", gaguejou ela.

"Então a culpa do acidente é tua?", a voz do Leo era dura.

"Não! Foi o outro carro, ele veio do nada, passou um sinal vermelho!", defendeu-se ela, a voz estridente.

"Vou descobrir a verdade, Clara", disse eu, olhando-a nos olhos. "Vou pedir o relatório da polícia. Vou falar com as testemunhas. E se tu estiveres a mentir, se a tua negligência colocou o meu marido nesta cama de hospital, eu juro que te vou destruir."

Ela estremeceu, os seus olhos cheios de medo.

Pela primeira vez, vi uma fissura na sua fachada. Ela não era apenas a amante preocupada. Era uma mulher com algo a esconder sobre o acidente.

E eu ia descobrir o quê.

            
            

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