Expliquei-lhe a situação de forma concisa: o acidente, o coma, a presença de Clara, as minhas suspeitas.
"Preciso de saber qual é a minha posição, legalmente. Sobre a empresa, a casa, tudo."
"Ana, talvez devêssemos esperar...", começou ele.
"Não. Eu não posso esperar. Preciso de saber agora."
Houve uma pausa. "Ok. A empresa está em nome de ambos, Miguel e Clara, 50/50. A vossa casa está em nome dos dois. Como estão casados em comunhão de adquiridos, metade de tudo o que ele possui é teu por direito."
"E se ele... não recuperar?", a pergunta saiu com mais dificuldade do que eu esperava.
"Se ele falecer, a parte dele da empresa e dos bens será herdada por ti e pelos vossos filhos, de acordo com o testamento dele. Já agora, sabes onde está o testamento?"
Eu não fazia ideia.
"Vou procurar", disse eu. "Outra coisa. Quero o relatório policial completo do acidente. Quero saber exatamente o que aconteceu."
"Vou tratar disso", prometeu ele.
Desliguei e senti um pequeno vislumbre de controlo a regressar. Isto já não era apenas sobre dor e traição. Era sobre estratégia.
Mais tarde, naquela manhã, o Leo voltou ao hospital. Trazia café e um croissant que eu não consegui comer.
"A avó ficou com a Sofia. Ela vai levá-la à escola", disse ele, sentando-se ao meu lado. "Alguma novidade?"
"Nenhuma. O estado dele é estável."
Ficámos em silêncio por um momento, a observar o movimento silencioso das enfermeiras.
"Mãe... o que vamos fazer?"
Olhei para o meu filho, para a preocupação gravada no seu rosto jovem. Ele estava a tentar ser forte por mim, por todos nós.
"Vamos lutar", disse eu, a minha voz firme. "Primeiro, vamos descobrir a verdade sobre o acidente. Depois, vamos garantir que a Clara não fica com nada que pertence a esta família."
O queixo do Leo endureceu. "Estou contigo."
Nesse momento, o meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido.
"Estou?", atendi com cautela.
"Falo com a Sra. Ana Costa?", perguntou uma voz de homem.
"Sim, sou eu."
"O meu nome é Rui. Eu... eu fui testemunha do acidente do seu marido ontem à noite. Vi o meu número no noticiário local e pensei em ligar."
Sentei-me direita. "Sim, por favor. Diga-me o que viu."
"Bem, eu estava no carro logo atrás deles. A estrada estava escura, mas eu vi tudo claramente. O carro do seu marido... estava a andar muito devagar, quase a ziguezaguear."
"A ziguezaguear?", repeti, o meu coração a acelerar. "A Clara disse que outro carro passou um sinal vermelho."
O homem riu-se, um som seco e sem humor.
"Qual sinal vermelho? Aquela estrada nem sequer tem semáforos naquele troço. Não, não. O carro deles simplesmente desviou-se para a faixa contrária, sem motivo aparente. Foi aí que o outro carro lhes bateu. O condutor do outro carro nem teve tempo de reagir."
A minha mão apertou o telemóvel com força.
"A mulher que estava a conduzir... ela parecia estar a discutir com o passageiro. Eu vi-os a gesticular muito antes de o carro se desviar."
Uma discussão. Clara e Miguel.
"Pode repetir isso à polícia?", perguntei, a minha voz a tremer de raiva contida.
"Já o fiz. Dei o meu depoimento ontem à noite. Só queria que a família soubesse a verdade. Lamento muito pelo seu marido."
"Obrigada. Muito obrigada pela sua chamada."
Desliguei e olhei para o Leo. O seu rosto era uma máscara de fúria.
"Ela mentiu", disse ele, entredentes. "Ela mentiu sobre tudo."
Não foi um acidente causado por um terceiro. Foi causado por ela. A discussão deles, a negligência dela, talvez até a sua intenção, colocou Miguel em coma.
A minha raiva transformou-se em gelo. Clara não era apenas uma amante. Era uma ameaça. E eu ia garantir que ela pagasse pelo que fez.