"Alô, Marcos falando."
"Senhor Marcos, aqui é a diretora Mendes, da Escola Primeiros Passos. Peço que venha até aqui imediatamente. Houve um... incidente com o seu filho, Pedrinho."
A voz da mulher era fria, burocrática, sem um pingo de calor ou preocupação. A palavra "incidente" soou vazia, um eufemismo que fez o sangue de Marcos gelar.
"Incidente? O que aconteceu? Ele está bem?"
"Ele está aqui na minha sala. É melhor o senhor vir pessoalmente para conversarmos."
Ela não respondeu à pergunta. Isso foi o suficiente. O coração de Marcos começou a bater descontrolado. Ele não disse mais nada, apenas desligou.
"Assuma o controle," ele disse ao sous-chef, já desamarrando o avental e jogando-o sobre o balcão de aço inoxidável. "Preciso sair."
Sem esperar por uma resposta, Marcos atravessou a cozinha a passos largos, ignorando os olhares confusos de sua equipe. Ele não se importava com o restaurante, com os clientes esperando por seus pratos premiados, com nada além do seu filho. Ele pegou as chaves do carro e correu para a rua, o ar da noite de São Paulo parecendo pesado e sufocante.
O trajeto até a escola, que normalmente levaria quinze minutos, pareceu uma eternidade. Cada farol vermelho era uma tortura, cada carro lento à sua frente um obstáculo insuportável. Sua mente criava os piores cenários possíveis. Pedrinho era um menino sensível, doce, que vivia em seu próprio mundo. Desde a morte de sua esposa, há dois anos, Pedrinho era o centro absoluto do universo de Marcos.
Ele estacionou o carro de qualquer jeito na frente do imponente portão da escola e correu para dentro. A recepção estava vazia, mas a porta da diretoria, ao fundo do corredor, estava entreaberta.
Ao entrar na sala, a cena que encontrou confirmou seus piores medos.
Pedrinho estava encolhido em uma poltrona no canto, o rosto pálido e manchado de lágrimas secas. Havia um corte feio em sua bochecha esquerda, já começando a inchar e a ficar roxo. A gola de seu uniforme estava rasgada e havia marcas de mãos sujas em sua camisa branca. Ele olhou para Marcos com os olhos grandes e assustados, um olhar que partiu o coração de seu pai em mil pedaços.
Do outro lado da sala, perto da grande mesa de madeira escura da diretora, estava outro menino, Ricardo. Ele tinha um sorriso arrogante no rosto, o uniforme perfeitamente arrumado, sem um único fio de cabelo fora do lugar. Ao lado dele, impassível, estava a professora Ana. A diretora, Sra. Mendes, estava sentada atrás de sua mesa, com uma expressão de enfado.
Antes que Marcos pudesse dizer qualquer coisa, Joana, sua ex-esposa e mãe de Pedrinho, entrou na sala, parecendo irritada.
"Eu estava em uma reunião importantíssima, Marcos. O que aconteceu de tão grave para me tirarem de lá?"
Ela mal olhou para Pedrinho. Seu foco estava em manter as aparências.
A Sra. Mendes pigarreou. "Bem, parece que houve uma briga entre os meninos. Ricardo alega que Pedrinho o provocou."
Ricardo imediatamente aproveitou a deixa. "Ele me chamou de burro! E disse que meu pai só tem dinheiro porque rouba. Meu pai não é ladrão!"
Marcos olhou para Pedrinho, que se encolheu ainda mais na poltrona, balançando a cabeça negativamente, as lágrimas voltando a brotar em seus olhos. Marcos conhecia seu filho. Pedrinho jamais diria algo assim.
"Isso é mentira," disse Marcos, a voz baixa e perigosa. Ele se ajoelhou na frente de seu filho. "Filho, olhe para mim. O que aconteceu?"
Enquanto falava com Pedrinho, seu olhar passou por Joana. Ela estava ajeitando a gola de seu blazer caro, e foi então que ele notou. Preso na lapela, havia um broche de ouro, pequeno e discreto, na forma de uma espiga de trigo estilizada. Marcos franziu a testa. Ele nunca tinha visto aquela joia antes. Parecia cara, muito cara. E familiar, de alguma forma.
Pedrinho soluçou, a voz trêmula.
"Ele... ele rasgou meu desenho, papai. O desenho que eu fiz para você. Ele disse que era lixo, que nem a minha mãe me queria mais. Ele me empurrou e eu caí. E ele me chutou..."
A raiva subiu pela garganta de Marcos, quente como metal derretido. Ele se levantou, os punhos cerrados, o corpo tremendo.
"Você ouviu isso?", ele se virou para a diretora. "Seu aluno agrediu meu filho. Ele o chutou. Olhe o rosto dele! E vocês estão me dizendo que a culpa é do Pedrinho?"
A Sra. Mendes suspirou, como se estivesse lidando com uma criança birrenta. "Senhor Marcos, crianças brigam. São coisas que acontecem. Não precisamos exagerar."
Joana interveio, colocando a mão no braço de Marcos. "Querido, por favor. A Sra. Mendes tem razão. Foi só uma briguinha de criança. Pedrinho, peça desculpas ao Ricardo e vamos para casa."
Marcos olhou para Joana, incrédulo. "Pedir desculpas? Você está ouvindo o que está dizendo? Nosso filho foi agredido e você quer que ele peça desculpas?"
"Não vamos criar um problema, Marcos," ela insistiu, a voz baixa e urgente.
Foi nesse momento que a porta se abriu novamente. Um homem alto e imponente, de terno caro e sapatos brilhantes, entrou na sala com um ar de quem era dono do lugar. Ele tinha cabelos grisalhos penteados para trás e um olhar frio e calculista.
"Boa noite. Sou o pai do Ricardo, Sr. Almeida."
A mudança na atmosfera foi instantânea. A Sra. Mendes se levantou, um sorriso subserviente no rosto. A professora Ana pareceu encolher-se. Joana, por um instante, pareceu nervosa, desviando o olhar.
Marcos reconheceu o homem das capas de revistas de negócios. Um dos maiores empresários do agronegócio do país. E em sua gravata, um pequeno pin de ouro idêntico ao broche de Joana: uma espiga de trigo.
A peça que faltava se encaixou com um baque surdo em sua mente. O broche. O nervosismo de Joana. Sua insistência em abafar o caso.
Sr. Almeida ignorou completamente Marcos e Pedrinho. Ele se dirigiu diretamente à diretora.
"Mendes, espero que este mal-entendido seja resolvido rapidamente. Meu filho não tem tempo a perder com essas trivialidades."
Ele então se virou para Marcos, o olhar desdenhoso.
"Você é o pai do outro garoto? Olhe, eu não sei o que seu filho fez, mas Ricardo não leva desaforo para casa. Ensino meus filhos a se defenderem."
"Se defenderem? Chutar um menino caído no chão é se defender?", rosnou Marcos.
Sr. Almeida riu, um som seco e sem humor. "Crianças são assim. Agora, se me dão licença..." Ele se virou para a diretora novamente, tirando um talão de cheques do bolso interno de seu paletó. "Sra. Mendes, eu estava pensando em dobrar a doação deste ano para o novo laboratório de ciências. Acho que cem mil reais seriam um bom começo, não?"
Ele destacou o cheque e o colocou sobre a mesa. A diretora olhou para o papel como se fosse a coisa mais linda que já tinha visto na vida.
"Sr. Almeida, o senhor é sempre tão generoso! Claro, claro, vamos resolver isso. Ricardo, pode ir. Professora Ana, leve Ricardo para a sala dele."
Marcos observou a cena, o estômago revirado pela corrupção descarada. A justiça, o bem-estar de seu filho, tudo sendo comprado e vendido bem na sua frente. E sua ex-esposa, a mãe de seu filho, parada ali, cúmplice silenciosa daquela farsa.
Ele olhou para o Sr. Almeida, depois para Joana, e então para o rosto assustado de Pedrinho. A raiva deu lugar a uma determinação fria e cortante. Eles não sabiam com quem estavam mexendo. Eles podiam ter dinheiro e poder, mas ele tinha algo que eles jamais poderiam comprar: a verdade. E ele iria lutar por ela, custasse o que custasse.