Ele a observou, frio e analítico. Por baixo da raiva, ele via o pânico. Ela não estava com medo de perdê-lo, ou de perder Pedrinho. Estava com medo de perder o estilo de vida que ele proporcionava, o status, o dinheiro.
"Eu te amei, Marcos!", ela gritou, as lágrimas agora escorrendo pelo rosto. Era uma performance, e ele sabia disso. "Eu cometi um erro, eu admito! Eu estava solitária, carente! O Sr. Almeida... ele me deu atenção, me fez sentir especial. Mas foi só isso, um erro! Meu coração sempre foi seu e do Pedrinho!"
Ela tentou se aproximar novamente, as mãos estendidas em súplica.
"Não me faça isso, por favor. Vamos conversar. Podemos fazer terapia, consertar as coisas. Pelo nosso filho!"
"É tarde demais para isso, Joana," ele disse, a voz cortante. "Você acha que eu sou estúpido? Acha que eu não sei que isso já dura há quase um ano? Acha que eu não sei das transferências de dinheiro, dos hotéis, dos jantares secretos?"
Ele pegou o celular e virou a tela para ela, mostrando uma das fotos mais claras: ela e Almeida, se beijando, a Torre Eiffel ao fundo em uma de suas "viagens de negócios".
A cor sumiu do rosto de Joana. A performance acabou. O que restou foi a feiura da verdade nua e crua.
"Você... você me espionou?", ela sussurrou, horrorizada.
"Eu protegi minha família. Algo que você deveria ter feito," ele corrigiu. "Agora, eu vou dizer pela última vez. Pegue o que é seu e saia. Eu vou levar Pedrinho para dar uma volta. Quando eu voltar, não quero encontrar nem o seu cheiro nesta casa."
Ele não esperou por uma resposta. Foi até o quarto de Pedrinho, pegou um casaco para o menino e o guiou para fora do apartamento, sem olhar para trás.
Enquanto caminhava pela rua com Pedrinho, a noite fria ajudando a clarear sua mente, memórias indesejadas surgiram. Ele se lembrou do início do namoro com Joana. Ela era ambiciosa, cheia de vida, e ele, um jovem chef tentando construir um nome, se apaixonara por aquela energia. Ele a apoiou, financiou seus primeiros projetos de design, acreditou em seu potencial. Ele se lembrou da alegria no dia em que Pedrinho nasceu, o dia em que compraram aquele apartamento.
Tudo parecia uma mentira agora. Uma peça de teatro bem ensaiada, onde ele era o único que não sabia o roteiro. A dor da traição era profunda, mas a raiva era maior. Raiva por ela ter colocado em risco a coisa mais preciosa de sua vida.
Seu celular vibrou novamente. Outra mensagem de Sérgio. Desta vez, era um relatório detalhado.
Ele parou sob um poste de luz para ler, enquanto Pedrinho observava os carros passarem. O relatório era pior do que ele imaginava. Joana não estava apenas tendo um caso com Almeida. Ela estava usando sua posição como "consultora de design" nos restaurantes de Marcos para cometer fraudes.
O relatório detalhava como ela havia superfaturado notas de decoração, contratado fornecedores ligados a Almeida por preços inflacionados e, o pior de tudo, aprovado a compra de ingredientes de qualidade inferior de uma das empresas de agronegócio de Almeida, que estavam sendo usados em um de seus restaurantes mais novos, sem o seu conhecimento. Ela estava lucrando com a fraude e, ao mesmo tempo, sabotando a reputação que ele levara uma vida inteira para construir.
A magnitude da traição o deixou sem fôlego. Não era apenas pessoal; era profissional. Ela estava tentando destruí-lo por todos os lados.
Ele percebeu então que o plano dela e de Almeida era provavelmente muito maior. Talvez eles quisessem arruiná-lo, forçá-lo a vender seus negócios por uma fração do valor, e então Almeida assumiria o controle. O caso dela não era sobre solidão; era sobre ganância e poder.
Uma hora depois, quando ele e Pedrinho voltaram, o apartamento estava silencioso. As malas de Joana, seus quadros, suas roupas, tudo havia desaparecido. A única coisa que ela deixou para trás, sobre a mesa da cozinha, era o broche de ouro em forma de espiga de trigo. Um último ato de desafio ou um descuido no pânico da fuga.
Marcos pegou o pequeno objeto de metal. Era frio e pesado em sua mão. Ele o apertou com força, a raiva se solidificando em uma resolução de aço.
De repente, a campainha tocou insistentemente. Marcos olhou pelo olho mágico. Eram os pais de Joana. Ele respirou fundo e abriu a porta.
"Marcos! O que está acontecendo? Joana nos ligou chorando, histérica! Ela disse que você a expulsou de casa! Como você pôde fazer isso com a mãe do seu filho?", disse a mãe dela, já entrando sem ser convidada.
O pai de Joana, um homem geralmente quieto, o encarava com uma expressão de reprovação. "Esperávamos mais de você, Marcos."
A hipocrisia era inacreditável. Eles estavam ali para defender a filha, sem sequer perguntar o que havia acontecido.
A noite estava longe de acabar. A guerra tinha acabado de se espalhar para uma nova frente.