No dia seguinte, Sofia foi ao hospital para tratar da papelada do seguro de Thiago.
Enquanto esperava no corredor, viu o agente de Thiago, um homem apressado chamado Ricardo, a falar com um dos seus colegas de equipa.
Ricardo entregou um envelope ao colega. "Leva isto para o escritório do clube. É a minuta da rescisão de contrato do Thiago. Ele quer mesmo ir para Lisboa."
O colega franziu o sobrolho. "Lisboa? Mas o contrato dele aqui é milionário. Porquê?"
Ricardo suspirou. "Uma velha inspiração que retornou. Ele disse que está pronto para deixar tudo para ficar perto dela."
O envelope caiu da mão de Ricardo, e os papéis espalharam-se pelo chão. Um deles deslizou até aos pés de Sofia.
Era o rascunho de uma entrevista. As palavras de Thiago estavam lá, impressas a preto e branco.
"Estou numa fase da minha vida em que percebo o que é verdadeiramente importante. E o que é importante para mim está em Lisboa. Uma inspiração que pensei ter perdido, mas que agora voltou."
Sofia sentiu o ar a faltar-lhe. Ele estava disposto a desistir da sua carreira de topo, do seu clube, da sua vida em São Paulo... tudo por Isabela.
E ele nem sequer tivera a decência de lho dizer.
Ela apanhou o papel, entregou-o a um Ricardo embaraçado e foi-se embora sem dizer uma palavra.
Naquela noite, em casa, ela abriu novamente o caderno.
"4 de Setembro. Descoberta da sua intenção de se mudar para Lisboa por causa dela. Menos 10 pontos."
A pontuação era agora de 65.
Ela olhou para o número. Sentia-se cada vez mais leve, como se cada ponto deduzido fosse um peso a sair dos seus ombros.
Ela começou a fazer os seus próprios planos.
Ligou para Lucas Costa. Ele era um famoso restaurateur e crítico gastronómico, um homem que ela conhecera num evento de caridade há alguns anos. Ele sempre elogiara os seus doces e a incentivara a abrir a sua própria pâtisserie.
"Lucas? É a Sofia. Sofia Mendes."
A voz dele do outro lado da linha era calorosa e surpreendida. "Sofia! Que boa surpresa. Como estás? Soube do acidente do Thiago. Ele está bem?"
"Ele vai ficar bem," disse Sofia, a voz firme. "Lucas, eu liguei por outro motivo. Lembras-te de me dizeres que eu devia abrir a minha própria loja?"
Houve uma pausa. "Claro que me lembro. O teu talento é demasiado grande para ficar escondido."
"Eu estou a pensar seriamente nisso. Em Curitiba."
"Curitiba?" Lucas pareceu intrigado. "É uma excelente escolha. Um mercado sofisticado. Precisas de um parceiro de negócios?"
O coração de Sofia deu um salto. "Precisas de pensar nisso?"
"Não. Já pensei nisso há dois anos. A minha oferta ainda está de pé, Sofia. Se estiveres a falar a sério, eu estou dentro."
Pela primeira vez em meses, Sofia sorriu. Um sorriso genuíno.
"Estou a falar muito a sério, Lucas."
Ela desligou o telefone sentindo uma centelha de esperança. Havia uma vida para além de Thiago Alves. Havia um futuro onde ela não era uma segunda escolha.
Ela olhou para o seu reflexo no espelho. Os seus olhos estavam cansados, mas havia uma nova determinação neles.
Ela ia reconstruir a sua vida. Tijolo por tijolo. Doce por doce.