A Rejeição e a Redenção
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Capítulo 1

O cheiro a desinfetante e o som de um bip constante foram as primeiras coisas que registei.

Abri os olhos, a luz branca do teto do hospital feriu-me a vista.

A minha cabeça latejava, uma dor surda que se espalhava por todo o meu corpo.

"Tiago! Acordaste!"

A voz era do Miguel, o meu melhor amigo. Ele estava ao lado da minha cama, com o rosto pálido e olheiras profundas.

Tentei sentar-me, mas uma dor aguda na minha perna fez-me gemer.

"Calma, não te mexas," disse ele, pousando uma mão no meu ombro. "Tiveste um acidente de carro. Estás no hospital."

Acidente de carro. As memórias voltaram em flashes. A estrada sinuosa junto ao mar, o brilho dos faróis de outro carro, o som de metal a rasgar.

"E a Sofia?" perguntei, a preocupação a tomar conta de mim. "Ela estava comigo?"

Miguel hesitou, o seu olhar desviou-se por um segundo.

"Não, ela não estava no carro."

Respirei de alívio. "Ainda bem. Onde é que ela está? Ela sabe que estou aqui?"

Miguel olhou para mim, a sua expressão era estranha, uma mistura de pena e confusão. "Tiago... de quem é que estás a falar?"

Franzi a testa. "Como assim, de quem estou a falar? Da Sofia. A tua irmã."

Ele continuou a olhar para mim, como se eu fosse um estranho. "Tiago, tu... não te lembras da Sofia?"

"Claro que me lembro. É a tua irmã, Sofia Costa. Arquiteta, como eu. Conhecemo-nos na faculdade."

Miguel abanou a cabeça lentamente. "Não é disso que estou a falar. Estou a falar dos últimos sete anos."

Ele puxou uma cadeira e sentou-se. A sua voz era baixa, quase um sussurro.

"Tiago, nos últimos sete anos, tu foste completamente obcecado pela Sofia. Um amor não correspondido. Ela nunca te deu a mínima atenção, porque sempre foi apaixonada pelo Ricardo, o ex-namorado dela."

As palavras dele não faziam sentido. Eram como peças de um puzzle que não encaixava.

"Obsessão? Eu?"

"Sim," confirmou Miguel, com o rosto carregado de culpa. "Foi por causa dela que tiveste o acidente. Ela ligou-te a dizer que o Ricardo estava a voltar do Reino Unido e que precisava que o fosses buscar ao aeroporto. Tu largaste tudo e foste. Mas a meio do caminho, ela ligou outra vez. Disse que já não precisava de ti, que ia ela mesma. Deixou-te pendurado. Foi aí que te despistaste."

A minha cabeça girava. Eu, obcecado por uma mulher que me tratava assim? Que me deixava na estrada para ir buscar outro?

Era impossível.

"Não acredito em ti, Miguel."

Ele suspirou, tirou o telemóvel do bolso e abriu uma pasta. "Vê por ti mesmo."

Ele virou o ecrã para mim.

Havia centenas de fotografias. Todas da Sofia. Fotos dela na universidade, em festas de família, a rir, a olhar para longe. Eram fotos tiradas de longe, sem que ela soubesse. Fotos de um perseguidor.

Depois, ele mostrou-me os meus cadernos de esboços. Projetos inteiros, edifícios complexos e bonitos, todos inspirados nela. O nome dela estava escrito nas margens, em letras pequenas e devotas.

"A palavra-passe do teu telemóvel," disse Miguel, com a voz embargada. "Era a data de aniversário dela."

Olhei para as provas, para o rosto daquela mulher nas fotografias. Não sentia nada. Nenhuma centelha de reconhecimento, nenhum pingo de amor ou dor. Era como olhar para uma desconhecida.

Mas uma tristeza profunda, uma dor que não era minha mas que ressoava dentro de mim, começou a instalar-se no meu peito. A dor do homem que eu tinha sido.

Peguei no meu telemóvel, que estava na mesa de cabeceira. Com as mãos a tremer, apaguei todas as fotos. Uma por uma. Depois, fui às definições e mudei a palavra-passe.

"Acabou," disse eu, mais para mim do que para o Miguel. "Quero esquecer isto. Quero seguir em frente."

Miguel assentiu, com os olhos húmidos. "Desculpa, Tiago. Eu nunca devia ter-te apresentado a ela."

"A culpa não é tua."

O telemóvel dele tocou. Era uma chamada do trabalho. Ele tinha de ir.

"Eu volto mais tarde," disse ele, levantando-se. "Descansa."

Fiquei sozinho no silêncio do quarto, a olhar para o teto branco.

Minutos depois, o meu telemóvel pessoal tocou. Era a minha mãe.

"Tiago, filho! Como estás? O Miguel disse-nos do acidente. Estamos tão preocupados!"

"Estou bem, mãe. Não foi nada de grave."

"Filho," a voz dela hesitou. "Lembras-te daquela promessa de casamento que os teus avós fizeram com a família Pereira, aqui no Porto? A filha deles, a Inês... ela está de volta à cidade. Talvez seja uma boa altura para vires para casa, para a conheceres."

Uma promessa de casamento. Parecia algo saído de um filme antigo. Mas, naquele momento, pareceu-me a saída perfeita. Uma forma de fugir de Lisboa, de fugir de um passado que eu não reconhecia como meu.

"Sim, mãe," respondi, para surpresa dela e minha. "Eu vou. Vou voltar para o Porto."

            
            

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