Na manhã seguinte, acordei com uma decisão formada na minha mente.
Desci as escadas. A casa estava silenciosa. Pedro já tinha saído para o trabalho, sem se despedir.
Sofia estava na cozinha, a bebericar uma chávena de chá, a olhar pela janela com uma expressão de mártir.
Ela virou-se quando entrei, um pequeno sorriso forçado nos lábios.
"Bom dia, querida. Dormiste bem?"
"Sofia, precisamos de falar," disse eu, a minha voz mais firme do que eu esperava.
Sentei-me à mesa, em frente a ela.
O sorriso dela vacilou. "Claro. Aconteceu alguma coisa?"
"Eu e o Pedro vamos divorciar-nos."
As palavras ficaram no ar entre nós. A chávena de chá dela parou a meio caminho dos lábios. Os seus olhos arregalaram-se, primeiro em choque, depois uma centelha de algo que parecia triunfo brilhou neles antes de ser rapidamente extinta.
"O quê? Porquê? O que é que tu fizeste?" A sua voz era aguda.
"Não se trata do que 'eu' fiz. Trata-se de 'nós'. Não está a funcionar."
"Por minha causa?" Ela colocou a mão no peito, a personificação da inocência ferida. "É por minha causa, não é? Eu sabia que era um fardo."
"Não vou discutir os motivos contigo. Isso é entre mim e o teu filho. Só estou a informar-te para que possas fazer os teus próprios planos."
"Planos? Que planos? Esta é a casa do meu filho!"
"Em breve, será a minha casa. O apartamento foi comprado com o meu dinheiro, da herança dos meus pais. Legalmente, o Pedro não tem direito a ele."
Era um golpe baixo, e eu sabia-o. Mas a sua manipulação tinha-me ensinado a lutar com as mesmas armas.
O rosto de Sofia contorceu-se de raiva. A máscara de velhinha frágil caiu, revelando a mulher dura e calculista por baixo.
"Sua ingrata! Depois de tudo o que o meu filho fez por ti! Ele deu-te uma vida, um nome!"
"Eu já tinha uma vida. E o meu próprio nome," respondi calmamente. "O Pedro terá de encontrar outro lugar para viver. E tu também."
Ela levantou-se de repente, a cadeira a raspar ruidosamente no chão.
"Vais arrepender-te disto. O Pedro nunca te vai perdoar!"
"Ele já não me perdoa por querer uma vida com ele. Isto não fará diferença."
Virei-me e saí da cozinha, deixando-a a fumegar de raiva.
Subi as escadas e comecei a fazer as malas do Pedro. Dobrei as suas camisas, os seus jeans, as suas meias, tudo com uma precisão fria e mecânica.
Cada peça de roupa era uma memória. A camisa que ele usou no nosso primeiro encontro. A camisola que lhe dei no Natal.
Não senti tristeza. Senti um vazio. Um alívio oco.
Estava a meio de fechar a segunda mala quando o meu telemóvel tocou. Era o Pedro.
Atendi.
"Eva! Que raio estás a fazer? A mãe ligou-me, a chorar histericamente! Divórcio? Estás a falar a sério?"
A sua voz era um rugido de incredulidade e fúria.
"Sim, Pedro. Completamente a sério. As tuas malas estarão prontas quando chegares a casa."
"Tu não podes fazer isto! Não podes simplesmente expulsar-me da minha própria casa!"
"Posso, e vou. A casa é minha. Consulta um advogado se duvidares."
"Isto é por causa da minha mãe, não é? Não acredito que estás a destruir a nossa família por causa disto!"
"Tu já a destruíste quando escolheste a manipulação dela em vez do nosso casamento. Tu permitiste que isto acontecesse, Pedro."
"Eu não vou a lado nenhum! Esta conversa não acabou!"
"Para mim, acabou."
Desliguei a chamada.
O meu coração batia forte, mas as minhas mãos estavam firmes.
Olhei para as malas no chão. Pareciam tão pequenas. Como é que a vida de um homem, a nossa vida juntos, cabia em duas malas?
Terminei de fazer as malas e levei-as para a sala de estar, colocando-as junto à porta da frente.
Um gesto final. Um ponto final.