"Beatriz, a gente não pode."
Minha voz saiu embargada, um som patético de derrota.
"Não podemos continuar com isso."
Ela balançou a cabeça, tentando focar em mim. "O quê? Do que você está falando?"
Naquele exato momento, a porta do meu quarto se abriu com um estrondo.
João e Clara, a melhor amiga de Beatriz, entraram correndo.
"Beatriz!" gritou João.
Eles viram a cena: eu e Beatriz, desgrenhados, no meu quarto. Beatriz parecia drogada, e eu estava chorando como uma criança.
A mente deles preencheu as lacunas com a pior conclusão possível.
"O que você fez com ela, seu desgraçado?" João rosnou, vindo para cima de mim.
Clara correu para o lado de Beatriz, que agora parecia ainda mais confusa e assustada.
"Beatriz, você está bem? Ele te machucou?"
João me pegou pelo colarinho, pronto para me socar.
"Ela está louca!" Clara gritou, tentando segurar Beatriz, que começou a se debater. "Ela bebeu demais!"
João, vendo o estado da irmã, a soltou de mim e a segurou. Beatriz estava fora de si, murmurando coisas sem sentido. Em um gesto de puro pânico e frustração, João deu um tapa no rosto dela.
Não foi forte, mas o som ecoou no quarto.
"Beatriz, para com isso! Acorda!"
Aquilo foi a gota d'água para mim. Ver a cena que, no futuro que vi, se repetiria de formas muito piores, me quebrou.
"Fui eu" , eu disse, com a voz falhando.
Todos pararam e olharam para mim.
"Fui eu. Eu coloquei droga na bebida dela."
O silêncio no quarto era total. Podia-se ouvir a respiração de todos.
João me encarou, sua expressão mudando de raiva para pura incredulidade. Clara me olhava com nojo.
"Você o quê?" Clara sibilou. "Isso é crime, Pedro. Você sabe disso, não sabe?"
Eu assenti, incapaz de olhar para eles. "Eu sei. Eu aceito a punição. Chame a polícia. Eu mereço."
Eu estava pronto para tudo. Prisão, desgraça. Qualquer coisa era melhor do que aquele futuro.
Mas então, algo inesperado aconteceu.
Beatriz, que parecia ter recuperado um pingo de lucidez, se desvencilhou de João e se colocou na minha frente.
"Não" , ela disse, a voz ainda fraca. "Não foi culpa dele."
Ela se virou para João e Clara.
"Ele é só uma criança. Ele não sabia o que estava fazendo."
Eu a olhei, chocado. Ela estava me defendendo? Por quê?
Suas palavras não fizeram sentido para ninguém. Eu já tinha vinte anos. Não era uma criança.
João, achando que ela estava delirando por causa da droga, a pegou pelo braço.
"Chega, Beatriz. Vamos para o hospital."
Ele me lançou um olhar que misturava ódio e decepção e a arrastou para fora do quarto. Clara o seguiu, mas antes de sair, ela parou na porta e me olhou.
"Eu nunca vou te perdoar por isso."
A porta se fechou, me deixando sozinho no silêncio do meu quarto.
As palavras de Beatriz ecoavam na minha cabeça. "Ele é só uma criança."
Naquele momento, eu entendi. Ela sempre me viu assim. O garotinho que ela protegia. O amor que eu sentia não era correspondido da mesma forma. Para ela, eu era família, um irmão mais novo. A ideia de algo romântico entre nós provavelmente nunca passou pela cabeça dela.
A visão de João e ela juntos no campus fez sentido de uma forma nova e dolorosa. Era amor, sim, mas amor de irmãos. E eu, cego pelo ciúme, tinha distorcido tudo.
Eu era o vilão da história. E o vilão tinha que desaparecer.
Naquela noite, arrumei uma mala. Deixei um bilhete para meus pais dizendo que precisava de um tempo. Antes do amanhecer, eu estava em um ônibus para São Paulo, fugindo de um destino que eu mesmo tinha criado.