Nos primeiros meses em São Paulo, vivi com a culpa me corroendo. Para me redimir, eu enviava a maior parte do meu salário, de um emprego medíocre em um escritório, para Beatriz. Eu o enviava anonimamente, através de uma conta que abri com um nome falso.
Era um dinheiro que eu imaginava que ela usaria para terapia, para qualquer coisa que pudesse apagar a memória daquela noite.
Um dia, recebi uma mensagem dela. Ela de alguma forma descobriu que o dinheiro vinha de mim.
"Pedro, pare com isso. Eu não preciso do seu dinheiro. Eu só quero que você fique bem. Por favor, se cuide."
A mensagem era gentil, mas cada palavra era uma faca no meu coração. Ela ainda se preocupava comigo. E isso só tornava minha fuga mais necessária. Para o bem dela, eu precisava ficar longe.
Decidi cortar todos os laços. Mudei de emprego, de apartamento, de número de telefone. Desapareci completamente.
Por dois anos, funcionou.
Eu me concentrei no trabalho. Fui promovido. A vida em São Paulo era solitária, mas estável. A dor do passado começou a se tornar uma cicatriz, ainda presente, mas não mais uma ferida aberta. Eu estava conseguindo, estava mudando o roteiro.
Até que um dia, o destino, ou o enredo daquele maldito romance, me encontrou.
Eu estava em uma reunião importante, apresentando um projeto. No meio da minha fala, a porta da sala de conferências se abriu.
Uma mulher do RH entrou, acompanhando a nova contratada da equipe de marketing.
Era ela.
Beatriz.
Ela estava mais madura, o cabelo mais curto, usando um terninho elegante. Mas eram os mesmos olhos. O mesmo sorriso que assombrava meus sonhos.
Nossos olhares se cruzaram por cima da mesa de reuniões. O tempo parou. O ar saiu dos meus pulmões. O projeto, a reunião, tudo desapareceu.
O pânico gelado tomou conta de mim.
Ela estava aqui. Na mesma empresa. Como? Era uma coincidência impossível.
No final da reunião, tentei fugir, mas ela foi mais rápida.
"Pedro."
Sua voz me paralisou no corredor.
Eu me virei lentamente. "Beatriz. O que... o que você está fazendo aqui?"
"Eu trabalho aqui agora" , ela disse, com um pequeno sorriso. "Parece que somos colegas."
Colegas. A palavra soou absurda.
Nos dias seguintes, o escritório se tornou uma nova forma de tortura. Eu a evitava a todo custo. Mudava de caminho se a via no corredor. Almoçava na minha mesa. Saía mais tarde para não pegá-la no elevador.
Era uma dança patética de fuga e perseguição silenciosa.
Meus colegas de trabalho notaram.
"Ei, Pedro, a nova garota do marketing, a Beatriz, não para de te procurar. Vocês se conhecem?"
"Não" , eu mentia. "Acho que ela está me confundindo com outra pessoa."
A mentira era frágil. A cidade tinha 12 milhões de pessoas, e ela tinha vindo parar justamente na minha empresa, no meu andar. O roteiro estava trabalhando duro para nos juntar de novo, para garantir a tragédia.
Eu não ia deixar.