Na minha vida passada, a destruição da minha família começou silenciosamente, com um pedido aparentemente inofensivo. Clara, minha colega de quarto na universidade, invadiu o quarto do meu irmão, Pedro, na noite anterior ao vestibular dele. No dia seguinte, ela armou um escândalo, gritando para o mundo inteiro que ele a havia assediado.
A acusação, mesmo sem prova, foi suficiente. Pedro, o estudante mais brilhante de sua turma, perdeu o vestibular. Sua reputação foi destruída. A universidade que já o havia aceitado retirou a oferta, e nenhuma outra o quis.
Para "compensar" Clara e evitar que ela prejudicasse a mim na escola, meus pais, ingênuos e de bom coração, a acolheram em nossa casa. Ela viveu como uma parasita, uma rainha em um trono de mentiras. Exigia que meus pais lavassem seus pés todas as noites, uma humilhação que eles suportavam em silêncio.
Meu irmão, Pedro, abandonou seus sonhos. Foi trabalhar em uma fábrica clandestina para sustentar os luxos de Clara, para pagar pela vida que ela nos roubou.
A notícia de sua morte chegou em uma tarde fria. Esmagado por uma máquina. Acidente de trabalho, disseram. Mas eu sabia que ele fora assassinado pela inveja de Clara.
Meus pais não aguentaram. A dor os consumiu. Em poucos dias, adoeceram gravemente e se foram, deixando-me sozinha em um mundo que não tinha mais cor.
Com o coração cheio de um ódio que era a única coisa que me mantinha de pé, eu ateei fogo na casa. Levei Clara comigo. Enquanto as chamas nos consumiam, seu rosto aterrorizado foi a última coisa que vi. Foi a minha vingança, o fim amargo de tudo.
E então, abri os olhos novamente.
A luz do sol entrava pela janela do meu antigo quarto na universidade. O cheiro de livros e café pairava no ar. Olhei para as minhas mãos. Eram jovens, sem as cicatrizes e o cansaço dos anos de sofrimento.
Peguei meu celular. A data na tela me fez prender a respiração.
Era o dia. O dia em que tudo começou. O dia em que Clara me pediria para ir morar em nossa casa.
Eu tinha voltado. Tinha recebido uma segunda chance.
Um arrepio percorreu minha espinha. Não era um sonho. Era real. A dor, o ódio, as memórias, tudo era nítido demais.
Naquele momento, a porta do quarto se abriu.
Era ela.
Clara entrou com um sorriso doce no rosto, o mesmo sorriso falso que enganou a todos. Seus olhos brilhavam com uma inocência fingida.
"Sofia, posso te pedir um favor?"
Sua voz, melosa e manipuladora, era como um eco do inferno.
Ela se aproximou, sua expressão era a de uma amiga preocupada, mas eu via o monstro por trás da máscara. Eu via a inveja corroendo sua alma, o desejo de destruir tudo o que eu tinha. Ela cobiçava a minha família, o amor dos meus pais, o talento do meu irmão.
Meu coração começou a bater descontroladamente, não de medo, mas de uma fúria fria e calculista. Eu me lembrava de tudo. Lembro-me de como ela encantou meus pais com suas histórias tristes, de como ela se fez de vítima para ganhar a simpatia do meu irmão.
Eles eram boas pessoas. Confiavam demais. E pagaram o preço mais alto por isso.
Mas não desta vez. Desta vez, eu estava aqui. E eu conhecia cada movimento dela. Cada mentira. Cada plano diabólico.
"O que foi, Clara?", perguntei, minha voz soando surpreendentemente calma.
Ela juntou as mãos, fazendo sua melhor cara de coitada.
"É que o dormitório vai fechar para uma pequena reforma neste fim de semana, e eu não tenho para onde ir. Meus parentes moram muito longe. Eu estava pensando... será que eu poderia ficar na sua casa?"
Aí estava. A mesma frase. A mesma armadilha.
Na minha vida passada, eu disse "sim" sem hesitar. Eu era jovem e ingênua, e via Clara como uma amiga necessitada. Mal sabia eu que estava convidando a própria morte para dentro da minha casa.
Desta vez, a resposta seria diferente. Eu olhei fundo nos olhos dela, e pela primeira vez, deixei que ela visse um vislumbre da escuridão que ela mesma havia criado dentro de mim. O sorriso em seu rosto vacilou por um segundo.
Eu não iria apenas impedir a tragédia. Eu iria me certificar de que ela e seu cúmplice pagassem por tudo o que fizeram na minha vida passada. A justiça não seria deixada para as chamas desta vez. Seria servida fria e em público.