Era nauseante. Ela elogiava meu pai por seu trabalho, fazia perguntas a Pedro sobre seus estudos para o vestibular, fingindo um interesse que ela não possuía. Ela era uma atriz talentosa, e minha família era sua plateia cativa. Eu era a única que via através da farsa, e isso me isolava em minha própria mesa de jantar.
Eu comia em silêncio, observando a dinâmica. Observando como Clara se inseria perfeitamente na nossa vida familiar, como uma erva daninha que se disfarça de flor.
Então, veio o momento que eu mais temia. O momento que era um eco exato da minha vida passada.
"Bom, está ficando tarde", disse minha mãe, bocejando. "Pedro, você precisa descansar para o grande dia amanhã. Sofia, por que você não mostra o quarto de hóspedes para a Clara? Fica bem ao lado do quarto do Pedro, então se ela precisar de alguma coisa, é só chamar."
Meu coração parou por um segundo. Pânico. Era exatamente assim que tinha começado. A proximidade física era a chave para o plano dela. A oportunidade perfeita para ela se esgueirar para o quarto do meu irmão no meio da noite e armar sua cena de vitimização.
Eu precisava agir. E precisava agir rápido.
Enquanto todos se levantavam da mesa, eu me levantei também, tentando manter a calma. Um plano começou a se formar na minha mente, nascido do desespero e do conhecimento do futuro.
"Claro, mãe. Mas antes," eu disse, forçando um sorriso, "que tal um copo de leite morno para ajudar a dormir? É uma noite importante para o Pedro, e a Clara também deve estar exausta da viagem."
Ninguém achou o gesto estranho. Era o tipo de coisa que a "velha" Sofia faria.
Fui para a cozinha, com o coração batendo forte contra as costelas. Peguei dois copos e o leite. Da minha bolsa, tirei discretamente uma pequena cartela de comprimidos para dormir, daqueles fortes que se compra na farmácia sem receita. Esmaguei um comprimido até virar pó e o misturei cuidadosamente no copo de Clara.
Voltei para a sala de estar com os dois copos. Entreguei o copo normal para o meu irmão.
"Aqui, Pedro. Beba tudo."
Depois, me virei para Clara, oferecendo o copo batizado.
"E este é para você, Clara. Para garantir que você tenha uma boa noite de sono na sua primeira noite aqui."
Ela me olhou com uma ponta de suspeita, mas não podia recusar sem parecer rude. Ela pegou o copo e bebeu, sorrindo em agradecimento. Um sorriso que eu sabia que não duraria muito.
Agora, a segunda parte do meu plano.
Esperei até que Pedro terminasse seu leite e fosse para o seu quarto. Segui-o e bati suavemente na porta.
"Pedro? Posso entrar?"
Ele abriu a porta, já de pijama. "Claro, Sofia. Aconteceu alguma coisa?"
Eu forcei uma expressão preocupada. "Na verdade, sim. O Gabriel acabou de me ligar. Ele está desesperado com uma matéria de física e pediu sua ajuda. Ele disse que é muito importante."
Pedro franziu a testa. "Agora? Mas eu preciso dormir."
"Eu sei", eu disse, colocando a mão em seu ombro. "Mas ele parecia muito mal. E pensei que talvez fosse bom para você mudar de ares na noite antes da prova. Sabe, para não ficar tão ansioso aqui em casa. Por que você não vai para a casa dele? Vocês podem revisar um pouco e depois você já dorme por lá. Assim você acorda e vai direto para a prova sem estresse."
Gabriel. O amigo que o trairia. Usá-lo como desculpa era arriscado, mas era a única maneira. Na minha vida passada, a inveja de Gabriel foi um fator crucial. Ele nunca admitiria que Pedro não estava com ele. Mas agora, antes da traição, ele era apenas o melhor amigo do meu irmão. Se Pedro ligasse, Gabriel confirmaria qualquer história para ajudar.
Pedro, sempre bondoso e prestativo, hesitou por um momento, mas depois cedeu. "Você tem razão. O Gabriel precisa de mim. E talvez seja bom mesmo sair um pouco daqui."
Ele rapidamente arrumou uma mochila com seus materiais e algumas roupas. Eu o ajudei, meu coração uma mistura de alívio e culpa por manipulá-lo, mesmo que fosse para o seu próprio bem.
Eu o acompanhei até a porta.
"Boa sorte amanhã, maninho. Eu sei que você vai arrasar."
"Obrigado, Sofia. Te vejo amanhã depois da prova."
Ele me deu um abraço e saiu. Eu tranquei a porta atrás dele, o som do clique da fechadura soando como a mais doce das músicas.
Voltei para dentro. A casa estava silenciosa. Espiei o quarto de hóspedes. Clara já estava na cama, ressonando profundamente, nocauteada pelo sonífero.
Por enquanto, o perigo imediato havia sido neutralizado. Meu irmão estava seguro, longe das garras dela. Senti uma onda de satisfação, uma pequena vitória na guerra que estava por vir. Eu podia respirar, pelo menos por aquela noite. Mas eu sabia que a manhã traria uma nova batalha. E eu precisava estar pronta.