"O quê?", ela gaguejou, a surpresa genuína em sua voz.
"Eu disse não, Clara. Você não pode ficar na minha casa."
Repeti as palavras, saboreando cada sílaba. Era a primeira vez que eu dizia "não" para ela. Era o primeiro tijolo de um novo futuro que eu estava construindo para a minha família.
A máscara de Clara começou a rachar. A surpresa deu lugar a uma expressão de mágoa calculada. Seus olhos se encheram de lágrimas, uma performance que eu já tinha visto muitas vezes.
"Mas... por quê, Sofia? Eu pensei que éramos amigas. Eu não tenho para onde ir. Você vai me deixar na rua?"
Sua voz era um lamento, projetada para despertar culpa, para me fazer sentir como a vilã da história. Na vida passada, essa tática teria funcionado perfeitamente. Eu teria me sentido horrível e cedido imediatamente.
Mas a mulher parada ali não era mais uma garota ingênua. Eu tinha as memórias de uma vida de dor gravadas na alma.
"Isso", eu disse, olhando diretamente para ela, sem me deixar abalar por suas lágrimas de crocodilo, "é um problema seu, não meu. Existem outras opções. Encontre outro lugar."
Eu me virei, pegando minha mochila e começando a guardar meus livros, um gesto claro de que a conversa havia terminado. Cada movimento era deliberado, mostrando a ela que sua manipulação não tinha mais poder sobre mim.
Clara ficou em silêncio por um momento, provavelmente processando a falha de seu primeiro ataque. A rejeição direta era algo que ela não sabia como lidar. Sua principal arma era a chantagem emocional, e ela havia se tornado inútil.
"Eu não acredito nisso", ela finalmente disse, sua voz agora tingida de uma raiva mal disfarçada. "Depois de tudo que eu fiz por você, te ajudando com os estudos, te ouvindo..."
Eu parei o que estava fazendo e me virei para encará-la novamente, um sorriso frio nos meus lábios.
"Tudo o que você fez por mim? Clara, não vamos começar com mentiras tão cedo. Nós duas sabemos que tipo de 'ajuda' você oferece."
A cor sumiu do rosto dela. Ela sabia que eu sabia de algo, mas não conseguia imaginar o quê. O medo cintilou em seus olhos, uma visão que me deu uma satisfação sombria.
Percebendo que sua estratégia havia falhado completamente, ela mudou de tática. A tristeza se transformou em indignação teatral.
"Bem!", ela bufou, cruzando os braços. "Se é assim que você trata suas amigas, então talvez eu esteja melhor sozinha!"
Ela se virou e saiu do quarto batendo a porta, um drama calculado para me deixar com peso na consciência.
Eu esperei até ouvir seus passos se afastando pelo corredor. Então, soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Meu corpo tremia um pouco, a adrenalina da confrontação finalmente me atingindo.
Uma parte de mim, a parte que ainda era a jovem Sofia, sentiu uma pontada de dúvida. E se eu estivesse errada? E se essa fosse uma versão diferente de Clara?
Mas então a imagem do meu irmão, pálido e sem vida, e o rosto devastado dos meus pais vieram à minha mente. Não. Eu não estava errada. O monstro era o mesmo.
Por um breve momento, uma onda de alívio e otimismo me invadiu. Eu consegui. Eu a recusei. Eu mudei o curso da história com um simples "não". O desastre foi evitado.
Senti-me leve, como se um peso enorme tivesse sido tirado das minhas costas. Comecei a fazer as malas para ir para casa, ansiosa para ver meus pais e meu irmão, para abraçá-los e garantir que eles estavam seguros.
Naquele momento, eu realmente acreditei que tinha vencido. Eu acreditava que o pesadelo tinha acabado antes mesmo de começar.
Como eu era ingênua. Eu havia subestimado a profundidade da maldade de Clara e sua capacidade de encontrar outras maneiras de se infiltrar em nossas vidas. A batalha estava apenas começando.