O Cheiro do Engano
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Capítulo 4

Alberto finalmente parou de chutar, ofegante.

Ele arrastou Ricardo pelos braços e o jogou de volta em seu pequeno quarto, trancando a porta por fora.

A escuridão envolveu Ricardo, mas a dor o manteve consciente.

Ele ficou ali, no chão frio, cada respiração uma agonia.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a porta se abriu.

Era Sônia, a mãe de Juliana.

Ela colocou uma bandeja com um prato de comida e um copo de água no chão, como se estivesse alimentando um animal.

"Você é uma grande decepção, Ricardo", disse ela, a voz gotejando desprezo. "Nós lhe demos tudo."

Ricardo tentou se sentar, a dor em suas costelas era insuportável.

"Vocês não me deram nada", ele conseguiu dizer, a voz rouca. "Vocês me usaram."

Sônia riu, um som desagradável.

"Usamos você? Nós o salvamos! Você era um órfão sem nome, sem futuro. Nós o acolhemos, o alimentamos, o vestimos. Você deveria ser grato por cada migalha que lhe demos."

Ricardo olhou para ela, a raiva lhe dando forças.

"Eu trabalhei por cada centavo. Eu trabalhei mais duro do que qualquer um nesta casa. E eu quero o noivado desfeito. Acabou."

A expressão de Sônia endureceu.

"Desfeito? Você não tem o direito de desfazer nada. Você vai se casar com a Juliana, quer queira, quer não."

"Eu não vou me casar com ela", disse Ricardo, com uma nova determinação. "Eu prefiro morrer."

"Não seja tão dramático", ela zombou. "Você não tem escolha. Quem você pensa que é? Você não é ninguém. Um pedaço de lixo que meu marido encontrou na rua."

As palavras dela eram cruéis, destinadas a ferir, a lembrá-lo de seu lugar.

"Nós lhe demos um nome, uma casa. Nós o criamos. Você nos deve sua vida. E agora, você vai pagar essa dívida."

O conceito de "dívida" e "gratidão" era uma arma que eles sempre usaram contra ele.

Desde que ele era criança, eles o lembravam constantemente de sua "sorte" por ter sido acolhido por eles.

Qualquer ato de bondade vinha com um preço, uma expectativa de obediência cega.

Ele se lembrou de sua infância, trabalhando na casa enquanto Juliana e seu irmão brincavam.

Ele se lembrou de ser culpado por coisas que não fez, de ser punido para proteger os filhos "reais" da família.

Ele se lembrou de como eles pegaram o dinheiro que ele ganhava em seus primeiros empregos, dizendo que era para "contribuir para a casa".

Ele sempre aceitou, sempre acreditou que era o mínimo que podia fazer para retribuir a "generosidade" deles.

Ele era um tolo.

Não era generosidade, era exploração.

Ele não era um filho adotivo, era um servo não remunerado, um investimento que eles estavam finalmente prontos para lucrar.

O casamento com Juliana era o pagamento final.

Ele olhou nos olhos de Sônia, e pela primeira vez, ele não viu uma figura materna, mas uma carcereira.

"Eu não vou fazer isso", ele repetiu, a voz mais forte desta vez. "Eu não vou vender minha alma para que vocês possam subir na vida."

"Você não tem alma para vender", ela cuspiu. "Você é apenas uma concha vazia que nós preenchemos. E você fará o que mandarmos."

Ela se virou para sair, mas parou na porta.

"Pense bem, Ricardo. Você pode ter uma vida de conforto, calado no seu canto. Ou pode ter uma vida de dor. A escolha é sua."

A porta se fechou e a tranca girou, mergulhando-o na escuridão novamente.

A escolha, ele pensou amargamente.

Não havia escolha. Era submissão ou destruição.

Mas eles haviam cometido um erro.

Ao levá-lo ao fundo do poço, eles o libertaram de qualquer medo que ele pudesse ter.

Quando um homem não tem mais nada a perder, ele se torna perigoso.

E Ricardo não tinha mais nada.

Ele não aceitaria essa relação humilhante.

Ele não seria o peão no jogo deles.

Ele encontraria uma maneira de lutar.

Ele não sabia como, mas sabia que faria.

A dor em seu corpo era um lembrete constante de sua humilhação, mas também era um combustível.

Cada hematoma, cada corte, era uma promessa de vingança.

                         

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