Lembrava-se de cada morte com uma clareza horrível, a primeira vez, afogado no lago da mansão, com os pulmões ardendo enquanto Isabella o observava da margem com olhos frios, a segunda, empurrado de um penhasco durante uma viagem em família, a terceira, envenenado lentamente durante semanas, até seus órgãos falharem um a um. As mortes seguintes foram igualmente cruéis, cada uma orquestrada ou permitida pela mulher que ele amou desesperadamente, sua tia adotiva, Isabella.
Ele era apenas um personagem secundário, um obstáculo irritante na grande história de amor entre Isabella e o verdadeiro protagonista, Gabriel. Sua função era simples: amar Isabella, tentar conquistá-la, falhar miseravelmente e morrer para que o amor dela por Gabriel pudesse ser testado e fortalecido. Oito vezes ele desempenhou seu papel, oito vezes ele sentiu a dor lancinante da traição e da morte.
Mas na nona vida, algo havia quebrado. A obsessão que o consumia se transformou em cinzas, o amor, em um vazio oco. Ele não queria mais o amor de Isabella, ele só queria paz, queria sua liberdade, mesmo que o preço fosse a morte definitiva.
Uma voz mecânica soou em sua mente, fria e impessoal.
[Iniciando o nono ciclo. Missão principal: Conquistar o amor de Isabella. Recompensa: Sobrevivência.]
Lucas fechou os olhos, um riso mudo e amargo sacudindo seu peito. "Não, obrigado", ele pensou, "desta vez, eu escolho a morte."
A porta do quarto se abriu e a figura que assombrava seus pesadelos entrou, Isabella estava deslumbrante como sempre, com seus cabelos escuros caindo em ondas perfeitas sobre os ombros de um vestido caro, seu rosto era uma obra de arte, mas para Lucas, era a máscara de um monstro.
Ao seu lado, Gabriel a segurava pela cintura, o sorriso charmoso e a aparência de bom moço que enganavam a todos, menos a Lucas, que conhecia a podridão que se escondia por trás daquela fachada.
"Lucas, você acordou", disse Isabella, sua voz soando falsamente preocupada. "Você nos deu um susto, desmaiar assim do nada."
Gabriel sorriu, um brilho de desdém em seus olhos. "Ele é fraco, meu amor, sempre foi. Provavelmente só queria um pouco de atenção."
Isabella não o repreendeu, em vez disso, ela olhou para Lucas com uma ponta de irritação. "Gabriel está certo, você precisa ser mais forte, Lucas. O mundo não é gentil com os fracos."
Naquele momento, um pequeno cachorro, um spitz alemão branco como a neve, correu para dentro do quarto e pulou nos braços de Gabriel, que o afagou com um carinho que ele nunca demonstrou por nenhum ser humano.
"Ah, Flocos, você também estava preocupado com o Lucas?", Gabriel disse em uma voz infantilizada, beijando o topo da cabeça do cão.
Isabella sorriu, um sorriso genuíno e caloroso que Lucas não via direcionado a ele há anos. "Ele é tão adorável, Flocos sentiu sua falta, Gabriel."
Lucas observou a cena, e a verdade o atingiu com a força de um soco no estômago, uma verdade que ele sempre soube, mas que agora se tornava inegável. Para Isabella, ele, seu sobrinho, o garoto que ela tirou de um orfanato, valia menos que o cachorro de Gabriel. A humilhação era tão profunda, tão avassaladora, que superou a dor de todas as suas mortes anteriores.
Ele se lembrou de quando ela o encontrou, ele era um menino magro e assustado, e ela parecia um anjo, ela o abraçou e prometeu que cuidaria dele, que ele seria parte de sua família. Ele se apaixonou por aquele anjo, uma paixão juvenil e desesperada de alguém que nunca conheceu o amor, mas o anjo se revelou um demônio assim que Gabriel entrou em cena. Seu amor se tornou um crime, sua presença, um incômodo.
Com uma calma que não sentia há muito tempo, Lucas arrancou o acesso intravenoso de seu braço, ignorando a picada aguda. Ele se levantou da cama, suas pernas ainda um pouco trêmulas.
"O que você está fazendo?", Isabella perguntou, sua voz endurecendo.
Lucas caminhou até a pequena mesa de cabeceira, onde estava um porta-retratos que ele sempre carregava consigo, uma foto dele e de Isabella, tirada no primeiro ano em que viveram juntos, ambos sorrindo. Era o único objeto que o sistema permitia que ele mantivesse entre as vidas, um lembrete de seu objetivo.
Ele pegou o porta-retratos, olhou para ele uma última vez, e então, com um movimento deliberado, o jogou na lixeira ao lado da cama. O som do vidro se quebrando foi baixo, mas para Lucas, foi o som de correntes se partindo.
"Eu desisto", ele disse, sua voz rouca, mas firme. "Eu não quero mais fazer parte disso."
Isabella e Gabriel o encararam, chocados com sua audácia.
[Alerta: Desvio severo do enredo principal detectado. As consequências são imprevisíveis. Reconsidere suas ações.]
A voz do sistema ecoou em sua cabeça, um aviso final.
Lucas a ignorou. Pela primeira vez em nove vidas, ele se sentia no controle. Ele não se importava com as consequências, ele só queria que tudo acabasse.