Sufocada Pelo Amor Perverso
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Capítulo 4

O segurança do trem terminou seu café e saiu, e a atmosfera no vagão-restaurante mudou instantaneamente. A barreira invisível que me protegia desapareceu. Dona Lúcia, João e Pedrinho se levantaram quase em uníssono e começaram a caminhar na minha direção.

Não havia para onde correr. As duas saídas do vagão estavam bloqueadas por eles.

Respirei fundo, segurando meu celular com força na mão. Eu não ia gritar. Não ia parecer a vítima histérica. Eu ia controlar a situação.

Dona Lúcia parou em frente à minha mesa, o sorriso doce substituído por uma carranca feia. João ficou ao lado dela, o corpo grande projetando uma sombra sobre mim. Pedrinho se escondeu atrás das pernas da avó, espiando-me com olhos curiosos e maliciosos.

"Achamos você, sobrinha", disse Dona Lúcia, a voz pingando sarcasmo. "Preocupou sua tia."

O atendente do balcão olhou para nós, confuso. "Está tudo bem, senhora?"

"Está tudo ótimo!", respondeu a velha, sem tirar os olhos de mim. "Só uma pequena discussão de família. Minha sobrinha é um pouco... teimosa. Não quer tomar o remédio dela."

A mentira era brilhante. Rápida, plausível. Pintava-me como mentalmente instável, justificando qualquer comportamento agressivo que eles tivessem para me controlar.

"Eu não sou sobrinha dela", eu disse, a voz calma e firme, falando com o atendente. "E eu não estou doente. Essa mulher está mentindo."

João deu um passo à frente, a mão se esticando em minha direção. "Vem, Sofia. Vamos pra casa."

O som do meu nome nos lábios dele me causou um arrepio de repulsa. Como ele sabia meu nome? Na outra vida, eu devo ter dito a eles. Agora, era uma arma que eles usavam contra mim.

"Não toque em mim", avisei, recuando na cadeira.

"Veja, moço? Ela está agitada", disse Dona Lúcia ao atendente, com um suspiro. "É o que o remédio faz. Se ela não tomar, fica assim, agressiva."

O atendente parecia perdido, sem saber o que fazer. Ele era um vendedor de café, não um mediador de crises.

Dona Lúcia se inclinou sobre a mesa, o rosto perto do meu. "Você vai vir com a gente por bem ou por mal, garota estúpida. Você nos causou problemas suficientes. Agora você vai pagar. Vai cuidar do meu João e me dar netos saudáveis. É o seu propósito."

A declaração foi tão crua, tão desprovida de qualquer humanidade, que me chocou por um segundo. A maldade dela era pura, sem disfarces.

"Você é um monstro", sussurrei, mais para mim mesma do que para ela.

"Eu sou uma mãe cuidando da minha família", ela retrucou. "Algo que uma egoísta como você nunca entenderia."

Ela fez um sinal para João. Ele se moveu para me agarrar.

Foi quando eu agi.

Com um movimento rápido, liguei a tela do meu celular e abri o aplicativo de streaming ao vivo. Eu já tinha tudo preparado. Com um único toque, comecei a transmitir.

"Estou ao vivo agora", anunciei em voz alta, virando o celular para que a câmera capturasse o rosto de Dona Lúcia e João. "Para milhares de pessoas. Sorriam."

Dona Lúcia congelou, os olhos arregalados de confusão. "O que é isso? Que bruxaria é essa?"

"É tecnologia, sua criminosa", eu disse, a voz cheia de desprezo. "Meu nome é Sofia. Eu sou uma estudante. Esta família está tentando me sequestrar neste trem, agora mesmo. Eles estão mentindo, dizendo que sou parente deles para me levar à força."

Apontei a câmera para o rosto de João. "Este homem, João, e a mãe dele, Dona Lúcia, são sequestradores. Eles me querem para ser a 'esposa' dele."

A reação foi imediata. O atendente pegou o telefone do balcão, provavelmente para chamar a segurança novamente. Os poucos outros passageiros no vagão pegaram seus próprios celulares, alguns para filmar, outros para assistir à minha transmissão.

O número de espectadores no meu stream começou a subir rapidamente. 100. 500. 1000. Os comentários começaram a aparecer na tela.

"Que loucura é essa?"

"Isso é real?"

"Chama a polícia!"

Dona Lúcia percebeu que estava perdendo o controle de uma forma que ela não entendia. Sua tática de manipulação emocional era inútil contra a fria exposição da tecnologia.

"Desligue isso!", ela gritou, tentando pegar o celular da minha mão.

Eu me afastei. "Não chegue perto de mim! Todo mundo está vendo o que você está fazendo!"

Nesse momento, um homem que estava sentado em uma mesa próxima se levantou. Ele era alto, de ombros largos e usava uma jaqueta de couro. Ele não parecia um passageiro comum.

"Senhora", disse ele a Dona Lúcia, a voz calma, mas com um tom de autoridade. "Deixe a moça em paz."

Dona Lúcia se virou para ele, a raiva a tornando descuidada. "E quem é você para se meter? Isso é um assunto de família! Cuide da sua vida, seu..."

Ela não terminou a frase. O homem abriu a jaqueta, revelando um distintivo da polícia preso ao cinto.

"Policial federal. E agora, isso é um assunto meu", disse ele. "Por favor, senhora, encoste na parede com as mãos onde eu possa ver. Você também", ele disse para João.

O mundo de Dona Lúcia desabou. O rosto dela ficou pálido. O predador se tornou a presa. João, não entendendo a complexidade da situação, apenas olhou para a mãe, esperando instruções.

"Não... não fizemos nada...", gaguejou a velha. "É um mal-entendido..."

"Vamos esclarecer o mal-entendido na próxima estação", disse o policial. Ele pegou seu rádio e falou. "Aqui é o agente Silva. Preciso de apoio na estação de... Temos uma possível tentativa de sequestro no vagão-restaurante."

Eu continuei transmitindo tudo. A prisão, os rostos chocados, o desespero de Dona Lúcia.

Mas então, os comentários no meu stream começaram a mudar.

"Espera, ela é a garota que quebrou o brinquedo da criança?"

"Eu estava no outro vagão. Ela foi super grossa com a velhinha."

"Isso não parece sequestro, parece briga de família mesmo."

"Essa garota tá querendo fama."

A narrativa que Dona Lúcia construiu no outro vagão estava voltando para me assombrar. As pessoas que não viram o que aconteceu aqui, no restaurante, estavam vendo apenas uma parte da história. Para eles, eu ainda era a vilã.

Eu tinha ganhado a batalha, mas a guerra pela verdade estava longe de acabar. E agora, eu tinha uma audiência de milhares de pessoas para convencer.

                         

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