Cicatrizes de Fogo: A Verdade da Mulher Abandonada
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Capítulo 4

O vídeo foi a gota de água. Apaguei o email, mas a imagem ficou gravada na minha mente. Pedro e Eva. "Nós".

No dia seguinte, liguei ao meu advogado.

"Eu quero avançar com tudo," disse eu, a minha voz determinada. "Não quero mais negociações. Quero a minha casa de volta e quero o divórcio finalizado o mais rápido possível."

"Ana, eles vão lutar por causa da casa," avisou ele.

"A casa está em meu nome. Foi comprada com o meu dinheiro, antes do casamento. Ele não tem direito a ela."

"Ele pode alegar que contribuiu para a manutenção, para melhorias..."

"Então que prove," interrompi. "Eu tenho os recibos. Tenho os extratos bancários. A verdade está do meu lado."

Houve uma nova força em mim, nascida do desespero e da raiva. Eu já não era a mulher que chorava em silêncio. A dor tinha-se transformado em resolução.

A batalha legal começou. Cartas foram trocadas, moções foram apresentadas. A família Sousa contratou um advogado agressivo que tentou pintar-me como uma oportunista sem coração.

Eles usaram tudo contra mim. O meu "abandono" do Pedro no hospital. A minha "recusa" em comunicar. Tentaram até usar a perda do nosso filho, sugerindo que o meu estado emocional me tornava instável e incapaz de tomar decisões racionais.

Foi sujo. Foi doloroso. Cada acusação era uma nova facada.

Mas eu não cedi. Com a ajuda da minha mãe, reuni todos os documentos, todos os emails, todas as provas de que eu precisava. A minha mãe, com a sua mente organizada, foi incansável. Encontrou a escritura original, os comprovativos da transferência do dinheiro da herança, as faturas das pequenas obras que eu tinha pago sozinha.

"Eles não têm por onde pegar, filha," dizia ela todas as noites, enquanto organizávamos os papéis na mesa da cozinha. "A verdade é a tua melhor arma."

Um dia, recebi uma mensagem de um número que não reconheci.

"Ana, sou eu, a Eva. Por favor, podemos falar? É importante."

O meu primeiro instinto foi bloquear e apagar. Mas algo me deteve. O que mais poderia ela querer de mim?

Hesitante, respondi. "O quê?"

"Podemos encontrar-nos? Eu preciso de te explicar."

Explicar o quê? A sua relação com o meu marido? O vídeo? A sua presença constante na vida dele?

Uma parte de mim queria gritar-lhe para ir para o inferno. Mas outra parte, uma parte curiosa e masoquista, queria ouvir o que ela tinha a dizer. Queria olhar nos olhos da mulher que tinha destruído o meu mundo.

"Onde?", escrevi.

Ela sugeriu um café tranquilo no centro da cidade. Um lugar neutro.

No dia combinado, cheguei primeiro. Sentei-me a uma mesa no canto, de costas para a porta, para que ela não me visse antes de eu a ver a ela.

Ela chegou pontualmente. Usava um vestido simples, o cabelo preso num coque desalinhado. Parecia cansada, os seus olhos estavam inchados. Não parecia a mulher vitoriosa que eu imaginava. Parecia... frágil.

Ela viu-me e aproximou-se, hesitante.

"Obrigada por teres vindo," disse ela, sentando-se à minha frente.

Eu não respondi. Apenas esperei.

"Eu sei o que deves estar a pensar," começou ela, a voz baixa. "Eu vi as notícias sobre o divórcio. Eu... eu sinto muito por tudo."

"Sentes muito?", repeti, a minha voz gelada. "Sentes muito pelo quê, exatamente? Por teres ligado ao meu marido quando o teu prédio estava a arder? Por o teres deixado escolher-te a ti em vez da família dele? Ou sentes muito por eu ter perdido o meu filho por causa disso?"

Ela estremeceu com as minhas palavras. As lágrimas brotaram-lhe nos olhos.

"Eu não sabia que estavas em trabalho de parto," sussurrou ela. "Juro que não sabia. O Pedro não me disse. Ele só... ele só veio."

"Claro que veio," disse eu, com sarcasmo. "Ele vem sempre a correr por ti."

"Ana, não é assim," disse ela, inclinando-se para a frente, a sua voz urgente. "O Pedro e eu... nós somos apenas amigos. Amigos de longa data. Ele sente-se responsável por mim desde que o meu marido morreu."

"Responsável o suficiente para abandonar a sua própria mulher grávida?"

Ela baixou o olhar, as lágrimas a caírem no seu colo. "Eu sei que parece horrível. E foi. Mas ele estava em pânico. Ele só queria ter a certeza de que a minha filha e eu estávamos seguras."

"E nós? E o nosso filho? Nós não importávamos?"

Ela não tinha resposta para isso. Ninguém tinha.

"Eu vim aqui para te pedir para reconsiderares," disse ela finalmente, olhando para mim com os olhos suplicantes. "O Pedro ama-te. Ele está destroçado. Ele cometeu um erro terrível, mas ele ama-te."

Eu ri. Uma risada curta e sem alegria.

"Amor? Isso não é amor, Eva. É egoísmo. Ele queria ter tudo. A esposa em casa e a donzela em apuros para salvar. Eu não vou ser a esposa que fica em casa à espera. Não mais."

Levantei-me, a minha cadeira a arrastar-se ruidosamente no chão.

"Obrigada pelo café," disse eu, embora não tivéssemos pedido nada. "E obrigada por me mostrares que estou a fazer a coisa certa."

Deixei-a ali, a chorar silenciosamente na sua chávena de café imaginária. Ao sair para a rua, senti um peso a sair dos meus ombros.

A sua tentativa de manipulação, disfarçada de pedido de desculpas, só tinha servido para solidificar a minha decisão.

A guerra podia ser feia, mas eu ia lutar. E eu ia vencer.

                         

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