"Prático", repeti a palavra, sentindo seu peso amargo na língua. Minha morte iminente era um inconveniente, mas a tosse de Clara era uma emergência logística.
"E além do mais", ele continuou, claramente sem perceber a ironia, "ela agora é dona das confeitarias. Ela precisa estar perto para aprender a administrar tudo. Você pode ensiná-la nesses próximos dias."
Ensiná-la. Eu deveria usar meus últimos suspiros para garantir que a mulher que me sentenciou à morte fosse bem-sucedida com os frutos do meu trabalho. A crueldade dele era tão casual, tão natural, que me deixou sem fôlego.
Nesse momento, nosso filho Miguel, de sete anos, entrou correndo no escritório, um sorriso radiante no rosto. Ele correu direto para Pedro, ignorando minha presença.
"Papai! A tia Clara me ligou! Ela disse que agora é a dona da loja de doces e que eu posso comer quantos bolos eu quiser!", ele exclamou, pulando de alegria.
Pedro sorriu e bagunçou o cabelo dele. "É verdade, campeão. A tia Clara vai cuidar de tudo agora."
Miguel se virou para mim, seu sorriso vacilando um pouco. "Mamãe, você não fica brava, né? A tia Clara disse que você estava muito cansada e que ela ia te ajudar."
Olhei para o rosto inocente do meu filho, repetindo as mentiras que lhe foram contadas, e meu coração, que eu pensei já estar morto, se partiu em mais um pedaço.
"Não, querido. A mamãe não está brava", falei, forçando um sorriso.
"Que bom!", ele disse, aliviado. "Papai, a tia Clara pode vir morar com a gente? Ela é muito mais legal! Ela me deixa jogar no tablet até tarde!"
O pedido de Miguel foi a facada final. Ele, minha luz, meu único propósito, também a preferia. Pedro olhou para mim, um olhar triunfante. "Vê, Ana? Até o Miguel concorda. É a melhor solução para todos."
Eu me senti afundar. A luta tinha acabado. Não havia mais nada pelo que lutar. Eles já tinham vencido.
"Tudo bem", sussurrei. "Faça o que achar melhor. Traga-a para cá."
O alívio no rosto de Pedro foi tão imediato e profundo que me causou náuseas. Ele não perdeu tempo. Pegou uma pasta de sua gaveta e a colocou sobre a mesa com um baque surdo.
"Ótimo. Já que você está sendo tão razoável, acho que podemos resolver isso também", ele disse, abrindo a pasta.
Eram papéis de divórcio.
Ele os preparou com antecedência. Ele estava esperando por este momento, esperando que eu estivesse fraca e derrotada o suficiente para não lutar. Ele não queria apenas a Clara na nossa casa, ele me queria fora dela.
"Você finalmente aprendeu a ser obediente, Ana", ele suspirou, um sorriso satisfeito se formando em seus lábios enquanto empurrava os papéis e uma caneta na minha direção.
Eu olhei para os documentos. Meu nome e o dele, ligados por anos de promessas vazias. Olhei para a linha pontilhada esperando pela minha assinatura, a linha que selaria meu fim completo. Sem hesitar, peguei a caneta. A tinta fluiu suavemente, meu nome se formando no papel, um último ato de uma vida que já não me pertencia.
Assim que a caneta deixou o papel, uma escuridão tomou conta da minha visão. Minhas pernas cederam e eu caí no chão, o som do meu corpo batendo no tapete abafado.
A última coisa que ouvi foi a voz irritada de Pedro.
"Ah, pelo amor de Deus, Ana! Pare com esse drama. Não precisa fingir um desmaio só porque assinou o divórcio. Eu pensei que você finalmente tinha amadurecido."
Quando acordei, eu estava no meu quarto. Alguém tinha me carregado até a cama. O cheiro do perfume de Clara já impregnava o ar. Ela já devia ter se mudado.
Uma compreensão repentina me atingiu. A poção que eu tomei. Ela não apenas anulava a dor, ela criava uma falsa sensação de bem-estar. Por fora, eu parecia saudável. Minha pele, antes pálida e sem vida, provavelmente tinha um brilho febril que eles confundiam com saúde. Eles não viam a morte se aproximando porque a poção a mascarava perfeitamente. Era a ironia mais cruel de todas. A ferramenta da minha libertação era também a prova da minha suposta "falsidade".
Levantei-me, sentindo uma força artificial percorrendo meu corpo. Desci as escadas. Clara estava na sala de estar, dirigindo os criados, apontando para onde colocar seus móveis, suas coisas. Ela parou quando me viu.
"Ana, querida! Que bom que acordou", ela disse com uma doçura enjoativa. "Não se preocupe, estou apenas fazendo umas pequenas mudanças para deixar o ambiente mais... alegre."
Eu a ignorei e fui até a escrivaninha onde ficava o cofre da família. Abri-o e tirei o colar de pérolas da minha avó, os brincos de diamante da minha mãe, a escritura das terras que herdei da minha família. Coloquei tudo sobre a mesa na frente dela.
"Isso também é seu agora", eu disse, minha voz monótona. "As joias da família, as terras. Pegue tudo."
Clara olhou para o tesouro sobre a mesa, seus olhos arregalados de cobiça. Ela pegou o colar de pérolas, o brilho das joias refletindo em seus olhos famintos.
"Ana... eu não sei o que dizer...", ela gaguejou, mas seu sorriso a traía. "Você é tão generosa."
Pedro entrou na sala, viu a cena e sorriu para mim. Um sorriso de aprovação.
"Agora sim, Ana. Você está finalmente pensando na família", ele disse.
Ninguém viu nada de errado. Ninguém questionou. Eles apenas pegaram, e pegaram, e pegaram, enquanto a vida se esvaía de mim, invisível aos seus olhos gananciosos. E eu deixei. Eu dei tudo a eles, um presente envenenado que eles só desembrulhariam quando fosse tarde demais.