"Senhor Marcos," disse o médico, "a condição da Senhora Isabella é delicada, devido ao estresse e ao pequeno acidente, ela teve um sangramento, o feto está em risco."
O pânico tomou conta do rosto de Marcos.
"O que podemos fazer, doutor? Qualquer coisa."
O médico hesitou. "Há um problema, a Senhora Isabella tem um tipo sanguíneo muito raro, RH nulo, e nosso banco de sangue está zerado, precisamos de uma transfusão urgente."
O desespero de Marcos era palpável, ele passou as mãos pelo cabelo, os olhos selvagens.
E então, seus olhos pousaram em Sofia, uma lembrança, uma faísca de reconhecimento.
Ele se lembrou de uma conversa antiga, onde Sofia mencionou casualmente que tinha o mesmo tipo sanguíneo raro, algo que ela herdou de sua avó.
Ele caminhou até ela, os olhos fixos nos dela, a expressão mudando de desespero para uma determinação assustadora.
"Sofia," ele disse, a voz baixa e intensa, "Você vai doar sangue para Isabella."
Não era um pedido, era uma ordem.
"Marcos, eu não posso," Sofia sussurrou, a mão instintivamente indo para sua barriga, "Eu estou..."
"Eu não me importo com as suas desculpas!" ele a interrompeu, agarrando seu braço com força, a força de seu aperto a fez estremecer, "Você vai fazer isso, Isabella e meu filho precisam de você."
Ele a arrastou pelo corredor em direção ao laboratório, ignorando seus protestos, ignorando o olhar chocado das enfermeiras.
A dor em seu braço era aguda, mas a dor em seu coração era pior, ele a estava forçando a salvar a mulher que destruiu sua vida, às custas de sua própria saúde e da saúde de seu bebê.
Enquanto a enfermeira preparava a agulha, Marcos ficou ao lado dela, mas seu olhar estava fixo na porta do quarto de Isabella, sua preocupação, seu amor, tudo era para a outra mulher.
Ele não perguntou como Sofia estava se sentindo, não notou a palidez mortal de seu rosto ou o tremor em suas mãos.
"Isso pode te deixar um pouco fraca," disse a enfermeira gentilmente, "Especialmente no seu estado."
Marcos ouviu e se virou para Sofia, a testa franzida.
"Que estado?" ele perguntou, a voz cheia de suspeita.
"Estou grávida, Marcos," Sofia disse, a voz quase inaudível.
Ele a olhou por um longo momento, e então uma risada fria e cruel escapou de seus lábios.
"Você ainda está com essa mentira?" ele zombou, "Faça o que tem que ser feito, eu preciso voltar para a Bella."
Ele se virou e saiu, deixando-a sozinha com a enfermeira e a agulha fria que estava prestes a perfurar sua pele.
Sofia fechou os olhos, uma lágrima solitária escorrendo por sua têmpora, ela estava desistindo de uma parte de si mesma, de sua força, para salvar o filho dele com outra mulher.
Ela não disse à enfermeira que também estava sangrando, que as cólicas não haviam parado, ela escondeu sua própria verdade, seu próprio sofrimento, e suportou a dor em silêncio.
Quando a transfusão terminou, ela se sentiu tonta e fraca, o mundo girando ao seu redor.
Ela se apoiou na parede, o corpo tremendo.
Marcos não estava em lugar nenhum.
Ela caminhou lentamente para fora do hospital, o sol da tarde a cegando por um momento, o céu estava de um laranja e rosa brilhantes, uma beleza cruel que contrastava com a escuridão em sua alma.
Ela se sentia vazia, esgotada, física e emocionalmente.
"Você precisa de uma carona?" A voz de um dos motoristas de sua família a tirou de seu transe.
"Não, obrigada," ela respondeu, "Eu vou caminhar um pouco."
Ela precisava de ar, precisava de espaço, precisava sentir algo além da dor e da traição.
Enquanto caminhava pelas ruas, a notícia da devoção de Marcos a Isabella já havia se espalhado como fogo.
Ela ouviu duas criadas de uma família vizinha fofocando na esquina.
"Você ouviu? O Senhor Marcos não sai do lado da Senhora Isabella," disse uma.
"Ele até a alimenta com as próprias mãos," disse a outra, "Dizem que ele a ama mais do que tudo, pobre da noiva dele, que vergonha."
As palavras eram como pequenas agulhas perfurando sua pele já ferida.
Mais tarde naquela noite, Marcos apareceu em seu quarto, sua presença enchendo o espaço e sufocando-a.
"Minha mãe está dando uma festa amanhã," ele anunciou, sem nenhum preâmbulo, "Eu quero que você vá."
Sofia o encarou, incrédula.
"Por quê?"
"Porque precisamos manter as aparências," ele disse, a voz fria, "E eu preciso que você fique de olho em Isabella, certifique-se de que ela não se esforce demais."
Ele estava pedindo a ela, sua noiva traída e humilhada, para agir como babá de sua amante, a audácia era de tirar o fôlego.
Sofia não respondeu, ela apenas ficou ali, o silêncio sendo sua única forma de protesto.
Ele tomou seu silêncio como consentimento e se virou para sair.
Na festa, Sofia se sentiu como um fantasma, movendo-se pelas salas cheias de pessoas que riam e conversavam, completamente alheias ao seu sofrimento.
Ela observou de longe enquanto Marcos pairava sobre Isabella, trazendo-lhe bebidas, ajustando seu xale, o rosto dele uma máscara de adoração.
A visão era tão dolorosa que ela teve que desviar o olhar, o coração se contraindo em seu peito.
Ela era a noiva oficial, mas ali, naquele salão, ela era a outra, a estranha, a peça sobrando no quebra-cabeça.