"Mas... por quê? Aconteceu alguma coisa? Ele te traiu?" A voz dela estava cheia de uma preocupação genuína que me fez sentir um pingo de calor em meio ao frio que eu sentia por dentro.
Eu balancei a cabeça. "Não. Pelo menos, não do jeito que você está pensando."
Antes que ela pudesse me pressionar por mais detalhes, a porta do café se abriu e o próprio Alex entrou. Seus olhos varreram o lugar e pousaram em mim, um sorriso se formando em seus lábios. Ele era sempre tão bonito, do tipo que fazia as pessoas pararem para olhar.
"Leo, te procurei por toda parte," ele disse, se aproximando da nossa mesa. Ele deu um aceno rápido para a Carla e depois se virou para mim, sua expressão era uma mistura de alívio e uma leve repreensão. "Você saiu sem o seu celular de novo."
Ele não percebeu a tensão na mesa, ou se percebeu, ignorou completamente. Essa era uma das características do Alex, ele vivia em seu próprio mundo, onde apenas as coisas que lhe importavam realmente existiam.
"Eu precisava de um pouco de ar," respondi, minha voz mais neutra do que eu esperava.
"Vamos, eu te levo para casa," ele disse, já pegando a chave do carro. Não era um pedido, era uma ordem gentil, como sempre.
Eu me levantei, dei um olhar de desculpas para a Carla, e segui o Alex para fora. O caminho para casa foi silencioso. Eu olhava pela janela, as ruas de São Paulo passando como um borrão. Na minha bolsa, um envelope pesado parecia queimar.
"Ah, quase esqueci," eu disse, quebrando o silêncio. Tirei o envelope e o coloquei no seu colo. "É um documento da empresa que precisa da sua assinatura. É importante."
Ele pegou o envelope, mas seus olhos não deixaram a estrada. "Ok, vejo isso mais tarde."
Nesse exato momento, o celular dele tocou, o nome "Daniel" brilhando na tela. Os ombros do Alex ficaram tensos instantaneamente. Ele atendeu no primeiro toque, sua voz mudando completamente, tornando-se mais suave, mais urgente.
"Dani? O que aconteceu? Você está bem?"
Eu desviei o olhar. Era sempre assim. Daniel ligava, e o mundo do Alex parava. O envelope com os papéis do divórcio, que eu tinha preparado com tanto cuidado, foi completamente esquecido no colo dele, enquanto ele se concentrava em acalmar a pessoa do outro lado da linha.
Eu me recostei no banco, fechando os olhos. Uma enxurrada de memórias me invadiu. Lembrei do dia em que conheci Alex, há dez anos. Eu era apenas um garoto tímido, e ele era a estrela do time de natação, sempre rodeado de gente, sempre com Daniel ao seu lado. Eu me apaixonei por ele à distância, um amor silencioso e sem esperança.
Daniel era o amor da vida do Alex. Todos sabiam. Eles eram o casal perfeito, destinados a ficar juntos para sempre. Eu me contentava em ser apenas um amigo, alguém na periferia do seu universo brilhante.
Até o dia do casamento deles. Daniel não apareceu. Ele deixou Alex esperando no altar, com uma igreja cheia de convidados e um coração partido em mil pedaços. Alex ficou devastado. Foi o pior período da vida dele, e eu estava lá, juntando os cacos.
Um ano depois, numa noite de bebedeira e desespero, Alex me pediu em casamento. Ele disse que estava cansado de sofrer, que eu era a única pessoa que realmente se importava com ele, que eu era seguro. Eu sabia que ele não me amava. Eu sabia que eu era apenas um substituto, um porto seguro para um navio que ainda queria navegar em outras águas. Mas eu disse sim. Eu o amava tanto que aceitei as migalhas que ele podia me oferecer, na esperança de que um dia, o amor dele por mim pudesse florescer.
Isso nunca aconteceu. Por três anos, eu vivi como uma sombra. Eu cuidei dele, administrei nossa casa, apoiei sua carreira. E em troca, eu o via se iluminar toda vez que o nome de Daniel aparecia no celular. Eu o via correr para ajudar Daniel em cada crise inventada. Eu não era seu marido, eu era seu cuidador.
A decisão de me divorciar não foi repentina. Foi uma morte lenta, uma compreensão gradual de que eu merecia mais do que ser o prêmio de consolação de alguém.
Quando chegamos em casa, Alex ainda estava no telefone, prometendo a Daniel que iria encontrá-lo imediatamente. Ele saiu do carro às pressas, o envelope com os papéis do divórcio caindo no chão sem que ele percebesse.
Eu o peguei. Ele nem sabia o que tinha em mãos. Ele não sabia que eu já tinha assinado minha parte, abrindo mão de quase tudo, pedindo apenas para ser livre.
Eu entrei na casa vazia. A decisão estava tomada. Ele só não sabia ainda.