Capítulo 3 Onde está seu Deus agora, Bianca

- Sabe o que mais me irrita em você, Bianca? Sua cara de santa quando está rodeada de merda.

A voz veio da porta do banheiro feminino. Eu já sabia quem era. O perfume barato, a entonação vulgar tentando soar sofisticada, e aquele salto exageradamente alto de quem quer chamar atenção em silêncio.

Melissa.

Amante.

Futura "esposa" de Leandro.

E uma das razões pelas quais meu cadáver foi cremado sem flores.

Virei devagar, sem pressa.

Meus olhos encontraram os dela no espelho.

- E sabe o que mais me irrita em você, Melissa? - sorri. - Essa necessidade infantil de competir com uma mulher que nem te enxerga.

Ela riu. Falsa. Rancorosa.

- Tô só observando. Vai ver seu reinado tá acabando e você nem percebeu ainda.

Vai ver, eu pensei, quem tá caindo no próprio buraco é você.

- Engraçado - disse, me virando para lavar as mãos -, o Leandro ainda geme meu nome quando goza. E isso... isso deve ser muito frustrante pra uma mulher como você.

A boca dela se abriu, mas nenhuma resposta saiu.

Ela me odiava.

E isso me alimentava.

No escritório, Leandro discutia contratos com dois homens que eu reconhecia da vida anterior: Valentim e César, irmãos de fachada, ladrões por profissão.

Na linha do tempo anterior, Leandro assinaria com eles e, meses depois, eles entregariam tudo para a polícia em troca de imunidade.

Agora, eu estava aqui.

Vivíssima.

E com tempo suficiente pra enterrar os três antes disso acontecer.

- Amor, trouxe seu café. - Entrei na sala, ignorando os olhares dos dois homens e deixando a xícara na mesa com cuidado.

Leandro me puxou pelo quadril e beijou minha cintura.

- A mulher perfeita. - disse ele.

Você nem imagina o inferno que está dormindo ao seu lado, Leandro.

À noite, fui ao terraço da mansão. O lugar onde, em minha outra vida, Leandro me pediu em casamento. Um lugar onde sangue e promessas ainda escorriam pelas paredes da minha memória.

Me sentei no sofá externo com meu diário no colo.

E então o vento mudou.

O ar ficou mais frio, mais... atento.

E alguém se aproximou.

Passos firmes, mas silenciosos. Um cheiro diferente de todos os outros homens que passavam por ali.

Amadeirado, elegante.

Rico.

- Esse lugar parece bonito demais pra tanta sujeira. - ele disse.

Levantei os olhos.

Um homem. Alto. Terno escuro impecável, gravata afrouxada.

Queixo bem marcado. Olhos de aço polido.

E um sorriso que parecia mais uma advertência do que um convite.

- A sujeira costuma se esconder sob o luxo. - respondi.

Ele riu, curto.

- Então você deve ser Bianca. A mulher que sobrevive no ninho das cobras.

Não perguntei seu nome.

Ele não disse o dele.

E isso tornou tudo ainda mais perigoso.

- E você é?

- Alguém que observa antes de tocar. - ele respondeu.

E foi embora.

Assim.

Como um presságio.

Como uma faísca.

Mas naquela noite, mesmo em silêncio, meu corpo sabia:

Alguma coisa tinha mudado.

E Leandro?

Leandro dormia tranquilo, abraçado à própria arrogância.

Ignorando que, bem debaixo do seu teto, a tempestade já tinha rosto.

E nome.

            
            

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