O som da porta da frente se abrindo ecoou pela casa. Meu pai tinha chegado. Meu corpo inteiro se enrijeceu. Eu sabia o que vinha a seguir.
Sérgio entrou no quarto, atraído pela tensão que pairava no ar. Ele nos olhou, primeiro para mim, encolhida perto da parede, depois para Bruno e minha mãe, que me encaravam como se eu fosse uma criminosa.
"O que diabos está acontecendo aqui? Parece que alguém morreu."
Ele tentou fazer uma piada, mas sua voz estava carregada de cansaço.
Bruno, sem dizer uma palavra, estendeu a carta para ele. Meu pai a pegou, seus olhos passando rapidamente pelo texto. Eu vi o momento exato em que a compreensão o atingiu. Seus ombros caíram, e ele me olhou. Mas desta vez, não havia fúria imediata. Havia algo pior: uma profunda e amarga decepção.
"Lara..."
Ele começou, sua voz rouca. Por um instante, uma parte estúpida de mim pensou que seria diferente. Que ele, meu pai, entenderia.
Mas então Júlia apareceu, vindo de seu quarto como uma víbora atraída pela comoção.
"Eu não disse, pai? Eu não disse que ela estava escondendo alguma coisa?"
A voz dela era triunfante. Ela pegou a carta da mão do meu pai e a segurou no ar, como um troféu.
"Bolsa de estudos integral na Europa! Que chique! Enquanto a gente come pão com ovo, a princesinha vai viver como rainha do outro lado do mundo!"
As palavras dela foram o estopim. A decepção no rosto do meu pai se transformou na fúria que eu tanto temia. Ele deu um passo na minha direção, seu rosto uma máscara de raiva.
"Sua ingrata!"
O grito dele fez as paredes vibrarem.
E então veio o tapa. O mesmo tapa. O mesmo som estalado. A mesma dor ardente no meu rosto. A força me jogou de lado e eu caí no chão, batendo o cotovelo com força.
"Depois de tudo que eu fiz por você! Trabalhando de sol a sol nessa oficina de merda pra te dar um futuro, e é assim que você me paga? Tentando fugir como uma ladra?"
Eu me encolhi no chão, as lágrimas finalmente escorrendo pelo meu rosto. Eram lágrimas de dor, de medo, mas principalmente de uma profunda e incompreensível tristeza.
"Por quê?"
A pergunta escapou dos meus lábios, um soluço que mal podia ser ouvido.
"Por que vocês estão fazendo isso comigo? Eu só queria um futuro melhor... pra todos nós."
Minha mãe riu, um som seco e cruel.
"Um futuro melhor pra você, você quer dizer. Um futuro longe da gente, sua família."
Bruno balançou a cabeça, o olhar de desprezo fixo em mim.
"Você nunca se importou com a gente, Lara. Só com você mesma. Sempre foi assim."
Cada palavra era uma facada. Eles estavam reescrevendo nossa história, me transformando em um monstro egoísta para justificar a própria crueldade. Eu olhava de um rosto para o outro - minha mãe, meu pai, meu irmão, minha irmã - e não reconhecia ninguém. Eram estranhos, unidos por um ódio que eu não conseguia entender.
"Não... por favor... não façam isso..."
Eu implorei, minha voz quebrada. Mas era inútil. Eu estava revivendo o inferno, e desta vez, a dor era ainda mais nítida, a traição ainda mais profunda. Eu sabia o que vinha a seguir. Sabia da destruição, da dor física, do fim. E eu estava completamente, totalmente impotente para impedir.