Coma Falso, Coração Partido
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Capítulo 4

O pânico nos olhos de Juliana foi breve, mas inconfundível. Ela rapidamente recompôs a máscara de indiferença, mas eu já tinha visto o que precisava.

"Do que você está falando, Miguel?", ela tentou desconversar, a voz um pouco trêmula. "Meu pai tem muitas empresas. A Costa Construtora é só uma delas."

"Uma delas", repeti, saboreando a palavra. "A que era conhecida por negligenciar a segurança dos seus funcionários. A que meu pai escolheu para trabalhar horas extras, desesperado para pagar pelo seu 'tratamento'. Que coincidência, não?"

Ela me puxou para um canto mais reservado, longe dos ouvidos curiosos.

"Isso não tem nada a ver comigo!", ela sibilou, a voz baixa e furiosa. "Foi um acidente. Acidentes acontecem."

"Não quando o acidente é consequência direta de uma mentira", eu disse, meu tom ainda calmo, o que parecia desestabilizá-la ainda mais. "Você não vai me apresentar como seu noivo, Juliana."

"O quê? Claro que vou! Nós vamos nos casar!"

"Não, não vamos. Nunca houve um noivado. Houve um homem tolo que foi enganado por uma mulher cruel. Houve uma família que foi destruída por causa de um jogo doentio. Isso é tudo que houve."

Pela primeira vez, eu vi a raiva dela se transformar em algo parecido com desespero. O controle estava escapando de suas mãos.

"Você não pode fazer isso comigo, Miguel! Depois de tudo que eu fiz..."

"O que você fez?", eu a interrompi, a voz finalmente se elevando um pouco. "Você mentiu sobre estar em coma por um ano. Você me assistiu vender a casa da minha infância. Você assistiu minha mãe se matar de desespero, meu pai cair para a morte, minha irmã ser sequestrada e assassinada porque estávamos quebrados e vulneráveis. Tudo por causa da sua mentira. Tudo para o seu 'teste' doentio. Então, não, Juliana. Você não fez nada por mim. Você fez tudo contra mim. Eu não te devo nada. Minha família pagou todas as minhas dívidas com você. Com sangue."

Cada palavra era um golpe. O rosto dela estava branco como papel. Ela abriu a boca para responder, mas nenhum som saiu.

Eu me virei e comecei a andar em direção à saída. Eu não mancava mais de dor, mas de propósito.

"Onde você vai?", ela gritou, chamando a atenção de algumas pessoas.

"Para longe de você", respondi sem olhar para trás.

Saí daquela mansão e respirei o ar da noite, que pareceu mais limpo e mais puro. Peguei um táxi e voltei para o meu antigo bairro. Não para a casa vendida, mas para um pequeno hotel barato nas proximidades.

Meu celular começou a vibrar incessantemente. Mensagens de Juliana.

"Miguel, volta aqui! Não seja infantil!"

"Nós precisamos conversar sobre isso com calma."

"Ok, eu sinto muito pelo seu pai, tá legal? Eu não sabia dos detalhes."

Depois, as notificações de transferências bancárias começaram a chegar. Uma atrás da outra. Grandes quantias de dinheiro caindo na minha conta. Ela estava tentando me comprar, como sempre fazia. Tentando resolver um problema de alma com dinheiro.

Eu ignorei tudo. Desliguei o celular.

No dia seguinte, voltei à antiga casa. Os novos donos me permitiram entrar para pegar as últimas caixas com as coisas da minha família. Eram poucas. Roupas velhas, alguns livros, álbuns de fotos. Coloquei tudo no porta-malas de um carro alugado.

Enquanto eu carregava a última caixa, meu celular, que eu havia ligado novamente, apitou. Era uma notificação de rede social. Juliana havia postado uma foto dela na festa da noite anterior, sorrindo radiantemente. A legenda dizia: "Uma nova fase, livre e desimpedida. Pronta para o que o futuro reserva." Ela já estava apagando minha existência de sua narrativa, me transformando em um mero capítulo encerrado.

Bom. Isso tornava as coisas mais fáceis.

Dirigi até o aeroporto. Comprei uma passagem só de ida para a pequena cidade no interior onde meus pais nasceram e onde seus túmulos vazios me esperavam. Com o cheque que Pedro me deu e o dinheiro que Juliana depositou tolamente na minha conta, eu tinha mais do que o suficiente.

Enquanto eu estava na fila do embarque, o celular tocou. Era ela. Eu atendi.

"Miguel, onde você está? Eu fui no seu hotel, você não está lá. Fui na sua casa antiga, está vazia. O que você está fazendo?" Sua voz era uma mistura de raiva e pânico.

"Estou indo embora, Juliana."

"Indo embora para onde? Você não pode simplesmente ir embora! E o nosso futuro?"

"Não existe 'nosso'. Nunca existiu."

"Eu não entendo! Eu te amo, Miguel! Isso tudo foi um erro, eu posso consertar! Eu posso te dar qualquer coisa! Dinheiro, uma casa nova, qualquer coisa!"

"Você não pode me dar minha mãe de volta", eu disse, a voz baixa. "Você não pode me dar meu pai de volta. Você não pode me dar minha irmã de volta."

Um silêncio pesado caiu sobre a linha. Eu podia ouvir a respiração dela, irregular e rápida.

"Miguel... por favor..."

Era a primeira vez que eu a ouvia implorar. Mas era tarde demais. O dano estava feito. As vidas estavam perdidas.

"Adeus, Juliana."

Desliguei o telefone. Bloqueei o número dela. Enquanto o avião decolava, eu olhava pela janela para a cidade que havia me dado tudo e depois tirado tudo. Eu não sentia tristeza. Não sentia raiva. Eu só sentia um vazio frio e uma determinação sombria.

Eu estava deixando para trás o fantasma de Miguel Silva. E no meu destino, um novo homem nasceria das cinzas da minha família.

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