Ele folheou as páginas com desdém, seus olhos passando por cima das cláusulas sem registrar nada. A divisão de bens, o apartamento, a casa de campo dos pais dele que estava em nosso nome. Ele não se importava.
"Tanto faz", ele disse, pegando a caneta.
Ele assinou seu nome no final, um rabisco rápido e descuidado, e empurrou os papéis de volta para mim.
"Pronto? Satisfeita? Agora podemos parar com esse teatro?"
Seu celular vibrou de novo. Ele sorriu para a tela.
"Tenho que ir. A Patrícia precisa de mim para fechar um contrato importante."
Ele se levantou e saiu, sem nem olhar para trás.
O advogado me olhou com pena. "Ele nem leu o que assinou, Sofia."
"Eu sei", respondi, o coração pesado. "Ele confia nela cegamente."
Eu sabia que a mensagem que ele sorriu ao ler era dela. Patrícia. A mulher para quem ele dedicava todo o seu tempo e atenção.
Naquele dia, no escritório do advogado, eu entendi. Não era sobre o trabalho. Nunca foi.
Naquele mesmo dia, mais tarde, eu o vi.
Eu estava saindo de uma reunião no centro da cidade, no mesmo prédio comercial onde ficava a sede da empresa dele.
Ao passar pelo café no térreo, vi os dois sentados em uma mesa no canto.
Marcos e Patrícia.
Ele estava inclinado sobre a mesa, ouvindo-a com uma atenção que ele nunca me deu. A mão dela estava sobre a dele. Eles não estavam falando de trabalho. O jeito que ele olhava para ela, o sorriso dela... era íntimo, cúmplice.
Senti meu estômago revirar.
Fiquei ali, parada do lado de fora, olhando através do vidro, invisível para eles. Vi quando ele pegou o celular e digitou algo, rindo. Segundos depois, meu próprio celular vibrou.
Era uma mensagem dele: "Reunião chata. Preso aqui. Te vejo mais tarde."
A mentira descarada me deixou sem ar.
Eu estava ali, a poucos metros, vendo a verdade com meus próprios olhos, enquanto ele mentia para mim com uma facilidade assustadora.
Naquela noite, a conversa que tivemos foi um replay distorcido daquela cena no café. Ele chegou em casa, cansado da "reunião chata", e eu, boba, tentei mais uma vez.
"Marcos, a gente precisa conversar sério."
"De novo, Sofia? Já não assinamos aquele papel ridículo que você queria?"
Naquela época, a assinatura dele era apenas um blefe para mim, uma ferramenta para chamar sua atenção. Para ele, era um incômodo que ele já havia esquecido.
Agora, no presente, o telefone tocou de novo, me tirando das minhas lembranças amargas.
Era Marcos. A voz dele era um trovão do outro lado da linha.
"Sofia, que porra é essa? O RH acabou de me ligar! Disseram que receberam um telefonema do seu advogado sobre 'procedimentos de divórcio'! Você enlouqueceu? Quer me envergonhar na frente de toda a empresa?"
A voz de Patrícia podia ser ouvida ao fundo, um sussurro choroso. "Marcos, não briga com ela por minha causa... Eu não quero ser o motivo de mais problemas..."
A atuação dela era digna de um Oscar.
Marcos, como sempre, caiu no teatro dela.
"Tá vendo o que você fez?", ele gritou no telefone. "A Patrícia está aqui, se sentindo culpada, chorando, e a culpa é sua! Sua, com esse seu ciúme doentio!"
Ele continuou, sua voz cheia de desprezo.
"Ela não tem nada, Sofia. Veio de uma família pobre, lutou por tudo o que tem. Você não sabe o que é isso. Você sempre teve tudo na mão. E agora quer destruir a carreira dela por pura maldade?"
Ele estava me acusando de ser a vilã, pintando Patrícia como uma mártir.
"Ela é tão sensível, tão frágil. E você, com essa sua atitude, está acabando com ela. Eu estou aqui, tendo que consolar ela, em vez de estar trabalhando. Tudo por causa da sua insegurança."
A ironia era tão espessa que eu quase podia tocá-la. Ele me acusava de não saber o que era lutar, quando eu tinha passado os últimos sete anos lutando por ele, por nós.
Ouvi a voz de Patrícia de novo, mais alta agora. "Marcos, querido, não fala assim com ela. Talvez eu devesse pedir demissão... seria melhor para todo mundo."
"De jeito nenhum!", ele respondeu, a voz cheia de uma proteção feroz. "Você não vai a lugar nenhum. Eu não vou deixar essa mulher te prejudicar."
"Essa mulher."
Era assim que ele se referia a mim agora.
Eu permaneci em silêncio, ouvindo o veneno dele escorrer pelo telefone. A cada palavra, a decisão que eu havia tomado se solidificava. Não era apenas uma assinatura em um papel, era a minha libertação. E ele, na sua arrogância e cegueira, não fazia a menor ideia do que estava por vir.