O Recomeço de Sofia
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Capítulo 4

Eu olhei para a bagunça no chão.

Meu primeiro instinto foi me abaixar e começar a juntar tudo, salvar as memórias, limpar a sujeira.

Mas então eu pensei: por quê?

Essas não eram mais as minhas memórias. Eram resquícios de uma vida que não me pertencia mais.

Com a ponta do meu sapato, empurrei a pilha de coisas para debaixo da mesa.

Não, melhor ainda.

Usei o pé para varrer tudo para o meio do corredor. A caneca quebrou com um barulho seco. O porta-retratos com nossa foto de casamento se estilhaçou.

Os risos pararam. Todos me olhavam, chocados.

Eu bati as mãos uma na outra, como se estivesse limpando poeira.

"Prontinho. Lixo no lugar do lixo."

Virei as costas e saí, sem olhar para trás, sentindo os olhares deles queimando nas minhas costas.

Não senti raiva. Não senti vontade de chorar. Eu simplesmente não me importava mais. A indiferença deles me libertou da necessidade de me importar com eles.

Assim que saí do prédio, peguei o celular.

A primeira ligação foi para uma corretora de imóveis.

"Olá, quero colocar um apartamento à venda. Com urgência."

A segunda foi para uma agência de viagens.

"Preciso renovar meu passaporte e tirar um visto. O mais rápido possível."

A terceira foi para a minha antiga orientadora da faculdade.

"Professora, sou eu, Sofia. Eu sei que já faz muito tempo... mas eu gostaria de saber se ainda existe a possibilidade de eu voltar a estudar."

Enquanto eu falava, uma lembrança clara veio à mente.

Eu tinha sido aceita em um programa de mestrado em literatura comparada em Portugal. Era meu sonho. Estudar lá, talvez abrir um pequeno café com livraria.

Marcos, na época, estava começando a sua empresa.

"Sofia, meu amor", ele disse, me abraçando. "Eu preciso de você aqui. A empresa está em uma fase crucial. Se você for agora, eu não sei como vou conseguir. Fica. Daqui a um ou dois anos, quando tudo estiver estável, eu juro que a gente vai pra lá. Eu te ajudo a montar a sua livraria. Vai ser o nosso projeto."

Eu acreditei.

Eu desisti do meu sonho pelo dele.

Os "um ou dois anos" se tornaram sete. A promessa foi enterrada sob pilhas de trabalho, reuniões e desculpas. Ele nunca mais tocou no assunto.

Agora, eu ia recuperar o que era meu.

Durante as semanas seguintes, enquanto eu resolvia a burocracia da minha nova vida, Marcos e Patrícia viviam a deles, publicamente.

Ele a levou para uma viagem de "negócios" para a praia. As fotos inundaram as redes sociais. Patrícia de biquíni, rindo enquanto ele passava protetor solar nela. Patrícia segurando um coco, com o braço de Marcos ao redor dos seus ombros.

O trabalho que eu deixei para trás? Ele delegou tudo para a equipe, sobrecarregando meus antigos colegas, enquanto ele "relaxava" com sua protegida.

A provocação final veio uma semana depois.

Patrícia postou uma série de fotos no Instagram.

A primeira era de uma jarra de vidro cheia de um líquido escuro e frutas. A legenda: "Fazendo vinho de frutas caseiro pela primeira vez! Uma tradição de família que o Marcos me ensinou a amar."

Meu estômago gelou.

Fazer vinho de frutas era a minha tradição de família. Minha avó me ensinou. Eu fazia uma jarra para Marcos todos os anos, no nosso aniversário de casamento. Ele dizia que amava. Agora, ele estava ensinando a minha tradição para ela.

A segunda foto era dela, servindo o vinho em duas taças. Ela usava um avental que eu reconheci. Era meu. Um que eu tinha deixado para trás no apartamento.

A terceira foto era a pior.

As duas taças, uma ao lado da outra. Ao fundo, desfocados, estavam eles. Marcos sentado no sofá, e a cabeça de Patrícia descansando em seu ombro. Era uma cena de intimidade doméstica que gritava "nós".

E, como sempre, o like de Marcos estava lá.

Um amigo em comum, sem saber da situação, comentou: "Que legal! A Sofia também faz esse vinho, né? Vocês deviam fazer juntos um dia!"

A resposta de Patrícia veio rápida: "Ah, que coincidência! Não sabia. O Marcos me disse que era uma receita especial da avó dele."

A mentira. A apropriação. A desfaçatez.

Foi a gota d'água.

Abri o perfil de Marcos. Cliquei em "Bloquear".

Abri o perfil de Patrícia. Cliquei em "Bloquear".

Abri o perfil dos amigos em comum que curtiam e comentavam, cúmplices silenciosos da minha humilhação. Bloqueei um por um.

Limpei minha vida digital da presença deles. Olho que não vê, coração que não sente.

Naquela mesma tarde, com a passagem de avião comprada e o passaporte na mão, dirigi para uma pequena cidade litorânea a algumas horas de distância.

Aluguei um quarto simples com vista para o mar.

Passei os dias seguintes andando na praia, lendo os livros que eu sempre quis ler, sentindo o sol na minha pele.

O som das ondas era a única coisa que eu ouvia. E era a única coisa que eu precisava.

Pela primeira vez em sete anos, eu estava em silêncio. E o silêncio era bom.

                         

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