Eu bati as mãos uma na outra, como se estivesse limpando poeira.
"Prontinho. Lixo no lugar do lixo."
Virei as costas e saí, sem olhar para trás, sentindo os olhares deles queimando nas minhas costas.
Não senti raiva. Não senti vontade de chorar. Eu simplesmente não me importava mais. A indiferença deles me libertou da necessidade de me importar com eles.
Assim que saí do prédio, peguei o celular.
A primeira ligação foi para uma corretora de imóveis.
"Olá, quero colocar um apartamento à venda. Com urgência."
A segunda foi para uma agência de viagens.
"Preciso renovar meu passaporte e tirar um visto. O mais rápido possível."
A terceira foi para a minha antiga orientadora da faculdade.
"Professora, sou eu, Sofia. Eu sei que já faz muito tempo... mas eu gostaria de saber se ainda existe a possibilidade de eu voltar a estudar."
Enquanto eu falava, uma lembrança clara veio à mente.
Eu tinha sido aceita em um programa de mestrado em literatura comparada em Portugal. Era meu sonho. Estudar lá, talvez abrir um pequeno café com livraria.
Marcos, na época, estava começando a sua empresa.
"Sofia, meu amor", ele disse, me abraçando. "Eu preciso de você aqui. A empresa está em uma fase crucial. Se você for agora, eu não sei como vou conseguir. Fica. Daqui a um ou dois anos, quando tudo estiver estável, eu juro que a gente vai pra lá. Eu te ajudo a montar a sua livraria. Vai ser o nosso projeto."
Eu acreditei.
Eu desisti do meu sonho pelo dele.
Os "um ou dois anos" se tornaram sete. A promessa foi enterrada sob pilhas de trabalho, reuniões e desculpas. Ele nunca mais tocou no assunto.
Agora, eu ia recuperar o que era meu.
Durante as semanas seguintes, enquanto eu resolvia a burocracia da minha nova vida, Marcos e Patrícia viviam a deles, publicamente.
Ele a levou para uma viagem de "negócios" para a praia. As fotos inundaram as redes sociais. Patrícia de biquíni, rindo enquanto ele passava protetor solar nela. Patrícia segurando um coco, com o braço de Marcos ao redor dos seus ombros.
O trabalho que eu deixei para trás? Ele delegou tudo para a equipe, sobrecarregando meus antigos colegas, enquanto ele "relaxava" com sua protegida.
A provocação final veio uma semana depois.
Patrícia postou uma série de fotos no Instagram.
A primeira era de uma jarra de vidro cheia de um líquido escuro e frutas. A legenda: "Fazendo vinho de frutas caseiro pela primeira vez! Uma tradição de família que o Marcos me ensinou a amar."
Meu estômago gelou.
Fazer vinho de frutas era a minha tradição de família. Minha avó me ensinou. Eu fazia uma jarra para Marcos todos os anos, no nosso aniversário de casamento. Ele dizia que amava. Agora, ele estava ensinando a minha tradição para ela.
A segunda foto era dela, servindo o vinho em duas taças. Ela usava um avental que eu reconheci. Era meu. Um que eu tinha deixado para trás no apartamento.
A terceira foto era a pior.
As duas taças, uma ao lado da outra. Ao fundo, desfocados, estavam eles. Marcos sentado no sofá, e a cabeça de Patrícia descansando em seu ombro. Era uma cena de intimidade doméstica que gritava "nós".
E, como sempre, o like de Marcos estava lá.
Um amigo em comum, sem saber da situação, comentou: "Que legal! A Sofia também faz esse vinho, né? Vocês deviam fazer juntos um dia!"
A resposta de Patrícia veio rápida: "Ah, que coincidência! Não sabia. O Marcos me disse que era uma receita especial da avó dele."
A mentira. A apropriação. A desfaçatez.
Foi a gota d'água.
Abri o perfil de Marcos. Cliquei em "Bloquear".
Abri o perfil de Patrícia. Cliquei em "Bloquear".
Abri o perfil dos amigos em comum que curtiam e comentavam, cúmplices silenciosos da minha humilhação. Bloqueei um por um.
Limpei minha vida digital da presença deles. Olho que não vê, coração que não sente.
Naquela mesma tarde, com a passagem de avião comprada e o passaporte na mão, dirigi para uma pequena cidade litorânea a algumas horas de distância.
Aluguei um quarto simples com vista para o mar.
Passei os dias seguintes andando na praia, lendo os livros que eu sempre quis ler, sentindo o sol na minha pele.
O som das ondas era a única coisa que eu ouvia. E era a única coisa que eu precisava.
Pela primeira vez em sete anos, eu estava em silêncio. E o silêncio era bom.