A memória de dois anos atrás me assaltou de repente.
Eu tive uma crise de asma alérgica no meio da noite. Foi grave. Eu não conseguia respirar, meu peito se fechava, o ar simplesmente não entrava.
Tateei no escuro, procurando minha bombinha, mas não a encontrei.
Chamei por Marcos, minha voz um chiado fraco.
"Marcos... me ajuda..."
Ele acordou, irritado.
"O que foi agora, Sofia? Estou tentando dormir."
"Eu... não consigo... respirar", consegui dizer, o pânico começando a tomar conta de mim.
Ele se levantou, mas não para me ajudar. Ele pegou o travesseiro e o cobertor.
"Eu vou dormir no quarto de hóspedes. Pelo menos lá eu consigo ter um pouco de paz."
E ele saiu.
Ele saiu e fechou a porta, me deixando sozinha, lutando por ar no escuro.
Consegui me arrastar até o banheiro, onde guardava uma bombinha de emergência. A sensação do medicamento abrindo meus pulmões foi a coisa mais próxima de uma ressurreição que eu já senti.
Fiquei sentada no chão frio do banheiro pelo resto da noite, abraçando meus joelhos, o som da minha própria respiração ofegante ecoando no silêncio.
Ele nem veio ver se eu estava viva na manhã seguinte. Apenas saiu para o trabalho como se nada tivesse acontecido.
A lembrança era tão vívida que senti o aperto no peito de novo.
O telefone ainda estava na minha orelha. A voz de Marcos continuava a me atacar.
"Sofia, você está me ouvindo? Eu quero que você ligue para o seu advogado agora e desfaça essa palhaçada. E quero que você escreva um e-mail para o RH se desculpando pelo 'mal-entendido'. Diga que foi um erro."
"Não", eu disse, a voz firme.
"O que você disse?"
"Eu disse não. Não vou fazer nada disso."
Houve um silêncio chocado do outro lado.
"Você está me desafiando? Sofia, não se esqueça de quem paga as contas nesta casa. Não se esqueça de que você trabalha na minha empresa."
"Eu sei. E é por isso que estou te ligando para dizer que estou me demitindo."
Mais silêncio.
"Você... o quê?"
"Estou pedindo demissão. A partir de agora. Pode considerar meu aviso prévio. Vou enviar a carta formal por e-mail."
"Você não pode fazer isso!", ele gritou, o pânico começando a se infiltrar em sua voz. "Você tem projetos para terminar!"
"A Patrícia é muito competente, não é? Ela pode terminar por mim."
Desliguei o telefone na cara dele.
A sensação foi libertadora.
Poucos minutos depois, meu outro telefone, o pessoal, tocou. Era um número desconhecido.
"Alô, Sra. Sofia? Aqui é do cartório. Só para confirmar, recebemos o pedido de averbação do seu divórcio. Como foi um divórcio consensual assinado há mais de seis meses, o processo é rápido. O documento oficial estará pronto para retirada amanhã."
Respirei fundo, um peso enorme saindo dos meus ombros.
"Obrigada. Muito obrigada pela ligação."
Desliguei e sorri. Um sorriso de verdade, o primeiro em muito tempo.
Era real. Estava acontecendo.
Levantei-me da minha mesa, peguei minha bolsa e fui direto para o RH.
A sala estava silenciosa. A gerente me olhou, surpresa.
Coloquei minha carta de demissão sobre a mesa dela. "Estou saindo."
Ela não pareceu chocada. Apenas assentiu, pegando o papel. "Entendo. Boa sorte, Sofia."
Voltei para a minha mesa para pegar minhas coisas. No caminho, passei por um vaso de flores na recepção. Eram magnólias brancas.
Lembrei-me de sete anos atrás, no nosso casamento. Marcos me deu um buquê de magnólias e disse: "Elas representam a perseverança e a dignidade. Como o nosso amor."
Agora, as flores no vaso estavam um pouco murchas, cobertas por uma fina camada de poeira. Assim como a promessa dele.
Quando cheguei à minha estação de trabalho, parei.
Minhas coisas estavam jogadas no chão.
Fotos de família, meus livros, a caneca que eu usava... tudo misturado com lixo, restos de comida, papéis amassados. Alguém tinha deliberadamente vandalizado meu espaço.
Levantei o olhar.
Vi alguns colegas no corredor, rindo e apontando. A turma de Patrícia. Eles me olhavam com um prazer sádico, como se estivessem assistindo a um espetáculo.
Ninguém se aproximou. Ninguém ofereceu ajuda.
Apenas olhares de desprezo e diversão.
Aquele era o ambiente que Marcos havia criado. Um lugar onde a crueldade era entretenimento.
Por um segundo, a humilhação ameaçou me engolir. Mas então, a imagem dele me deixando sozinha para sufocar na escuridão voltou à minha mente.
Isso? Isso não era nada.