Numa sexta-feira, em vez de ir direto para casa, ele dirigiu até um bar que não frequentava desde antes do casamento. Ligou para seus velhos amigos da faculdade, aqueles que Camila sutilmente o afastara com a desculpa de que "não combinavam com o novo status social deles".
"Ricardo? Sumido! Aconteceu alguma coisa?", disse Pedro, seu melhor amigo, do outro lado da linha.
"Só quero tomar uma cerveja. Pode ser?", respondeu Ricardo, a voz mais leve do que estivera em semanas.
Quando chegou, Pedro e mais dois amigos, André e Tiago, já estavam em uma mesa. O abraço que recebeu foi genuíno, forte.
"Cara, você está com uma cara péssima", comentou André, direto como sempre.
"Problemas no paraíso?", perguntou Tiago, mais cauteloso.
Ricardo pediu uma cerveja e tomou um longo gole antes de responder.
"O paraíso era uma ilusão."
Ele contou tudo. A viagem, a mentira, a foto no Instagram, o colar. Contou sem emoção, como se estivesse narrando a história de outra pessoa. Seus amigos o ouviram em silêncio, a indignação crescendo em seus rostos.
"Aquela mulher...", começou Pedro, cerrando os punhos. "Eu nunca confiei nela."
"O que você vai fazer?", perguntou André.
"Eu vou me divorciar", Ricardo disse, a decisão soando alta e clara no barulho do bar. "Vou seguir em frente."
Dizer aquilo em voz alta foi libertador. Um peso saiu de seus ombros. Ele não era mais a vítima magoada, ele era um homem tomando as rédeas de sua vida.
Enquanto eles conversavam, o celular de Ricardo não parava de vibrar sobre a mesa. Mensagens e ligações de Camila. Uma atrás da outra.
"Você não vai atender?", perguntou Tiago.
Ricardo olhou para a tela, viu o nome "Camila" piscar e desligou o aparelho.
"Não."
Era irônico. Por anos, foi ele quem ligava, quem mandava mensagens, quem esperava ansiosamente por uma resposta dela enquanto ela estava "ocupada no trabalho". Agora, os papéis estavam invertidos. A sensação não era de prazer, mas de uma triste confirmação de tudo que ele havia perdido e, agora, estava recuperando: sua paz.
Eles pediram outra rodada de cerveja. Ricardo começou a rir de uma piada de Pedro, uma risada de verdade, que vinha do fundo. Fazia muito tempo que ele não se sentia tão leve.
Foi então que ele a viu.
Camila estava parada na entrada do bar, os olhos varrendo o local até encontrá-lo. Seu rosto mostrava uma mistura de alívio e irritação. Ela caminhou decidida até a mesa deles.
"Ricardo! O que você está fazendo aqui? Eu te liguei mil vezes! Fiquei preocupada!"
A voz dela era alta, performática, feita para que todos ao redor ouvissem o quanto ela era uma esposa dedicada.
Os amigos de Ricardo se calaram, o clima na mesa ficou tenso.
"Estou com meus amigos, Camila. Como você pode ver", ele respondeu, calmamente.
"Com eles?", ela disse, olhando para Pedro e os outros com desprezo. "Pensei que tivéssemos superado essa fase. E você nem me avisou. Eu preparei o jantar."
Ela tentou pegar a mão dele, um gesto de posse.
"Vamos para casa, querido. A gente conversa."
Ricardo puxou a mão de volta, o movimento brusco e definitivo.
"Não, Camila. Nós não vamos para casa. E não temos mais nada para conversar."
O rosto dela se contraiu.
"O que é isso? Uma cena de ciúmes por causa da viagem? Ricardo, não seja infantil."
"Ciúmes?", ele riu, uma risada sem humor. "Não se iluda, Camila. Ciúmes é para quem ainda se importa. Eu só estou cansado. Cansado das suas mentiras."
A palavra "mentiras" pairou no ar. Camila olhou ao redor, constrangida, vendo que algumas pessoas nas mesas próximas os observavam.
"Não vamos discutir isso aqui", ela sibilou, a voz baixa e furiosa. "Vamos embora. Agora."
"Eu não vou a lugar nenhum com você", ele disse, levantando-se. "Eu vou ficar com os meus amigos. Você pode ir."
Ele se virou, dando as costas para ela, um ato final de demissão.
Camila ficou parada por um momento, chocada com a rejeição pública. Ela o seguiu quando ele se dirigiu ao banheiro.
"Ricardo, pare com isso! Você está me envergonhando!"
Ele continuou andando, sem olhar para trás.
"Isso não é sobre você, Camila. É sobre mim. Sobre eu não querer mais viver uma farsa."
Ele entrou no banheiro masculino e fechou a porta na cara dela. Podia ouvi-la do outro lado, batendo e chamando seu nome, a voz misturada com raiva e uma ponta de desespero. Ele encostou a testa na porta fria, respirando fundo. O confronto o deixara exausto, mas também estranhamente calmo. A porta final para o seu antigo eu havia sido fechada.