Decepção Amarga, Amor Verdadeiro
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Capítulo 3

Na manhã seguinte, um sábado, Ricardo acordou cedo. Camila ainda dormia no quarto de hóspedes. Ele a ignorou completamente, como se ela fosse um móvel invisível na casa. Preparou seu café, leu as notícias no tablet e começou a trabalhar em um projeto pessoal.

Essa nova dinâmica era um choque para Camila. Por anos, ele fora o primeiro a dar bom dia, a tentar puxar conversa, a se esforçar para quebrar o gelo que ela mesma criava. Agora, o silêncio e a indiferença dele eram uma parede impenetrável. Ela tentou falar com ele na cozinha.

"Ricardo, precisamos conversar sobre ontem à noite."

Ele não levantou os olhos do tablet.

"Não, não precisamos."

"Você foi extremamente grosseiro comigo e com os seus... amigos."

Ele finalmente a olhou, as sobrancelhas arqueadas.

"Eu fui grosseiro? Interessante seu ponto de vista."

Ele se levantou, lavou sua xícara e saiu da cozinha, deixando-a falando sozinha. A inversão de poder era total. Ele não estava mais reagindo a ela; ele estava simplesmente vivendo sua vida, e ela não fazia mais parte do roteiro.

Mais tarde naquele dia, eles tinham um almoço de negócios na casa de um cliente importante, um evento que estava marcado há meses. Ricardo se arrumou em silêncio. Camila tentou uma abordagem mais suave.

"Podemos, por favor, fingir que está tudo bem? Pelo menos hoje. É importante para a empresa."

"A sua empresa", corrigiu ele, friamente. "Mas não se preocupe. Eu sei ser profissional."

No almoço, eles representaram seus papéis. Sorrisos forçados, conversas educadas. Ricardo era um ator talentoso. Ninguém poderia adivinhar a tempestade que se passava entre eles.

No meio da sobremesa, o celular de Camila tocou. Ricardo reconheceu o toque na hora. Era um toque especial, diferente dos outros. O toque que ela usava para Lucas. Seu coração deu um nó, uma mistura de dor antiga e raiva nova. Ele a observou.

O rosto dela mudou instantaneamente ao ver o nome na tela. Uma expressão de preocupação genuína, de carinho, algo que ele não via direcionado a si mesmo há anos.

"Com licença, preciso atender. É urgente", ela disse aos anfitriões, já se levantando.

Ela se afastou para o jardim, a voz baixa e ansiosa. Ricardo conseguia ouvir fragmentos da conversa.

"O que aconteceu? ... Você está bem? ... Onde você está? ... Não, não se preocupe, eu vou resolver... Fique calmo, estou a caminho."

A prioridade dela era clara. Lucas precisava dela, e todo o resto – o almoço de negócios, o marido ao lado – desaparecia.

Ricardo sentiu uma onda de náusea. Ele se lembrou de uma vez, dois anos atrás, quando ele sofreu um acidente de carro leve. Ele ligou para Camila, assustado, e a resposta dela foi: "Estou em uma reunião importante, Ricardo. Você está sangrando? Não? Então pegue um táxi e vá para o hospital. Me ligue mais tarde."

Naquela época, ele aceitou a desculpa. Achou que ela era apenas muito focada na carreira. Agora, a verdade o atingia com a força de um soco. Não era sobre trabalho. Era sobre quem estava do outro lado da linha. Para Lucas, ela largaria tudo. Para ele, nem uma batida de carro era importante o suficiente.

A dor que ele sentiu não era de ciúmes, mas de uma profunda e amarga decepção. A constatação final do quão pouco ele significava para ela.

Enquanto Camila ainda estava no jardim, falando ao telefone, Ricardo pegou o próprio celular. Com poucos toques, ele enviou um e-mail para o departamento de TI da empresa da família de Camila.

"Assunto: Remoção de Acesso. Por favor, revogar imediatamente todo e qualquer acesso de Ricardo Silva aos sistemas, servidores e e-mails da empresa. Esta é uma decisão de caráter pessoal e profissional. Atenciosamente, Ricardo Silva."

Ele estava cortando o último laço profissional que os unia. A empresa era dela, gerenciada por ela, mas ele, como arquiteto associado e marido da CEO, tinha acesso a tudo. Não mais.

Camila voltou para a mesa, o rosto tenso.

"Querido, me desculpe, mas tivemos uma emergência. Um dos nossos principais fornecedores teve um problema sério. Eu preciso ir até o escritório agora."

Outra mentira. Tão óbvia, tão patética.

"Claro", disse Ricardo, o sorriso polido de volta no rosto. "Vá resolver sua emergência."

Eles se despediram dos anfitriões. No carro, ela já planejava em voz alta.

"Vou te deixar em casa e depois vou para o escritório..."

"Não precisa", ele a cortou. "Me deixe no aeroporto."

Camila freou o carro bruscamente.

"No aeroporto? Por quê? Para onde você vai?"

O sorriso dele desapareceu, substituído por uma expressão fria.

"Eu também tenho uma viagem, Camila. Uma que eu decidi de última hora."

"Viagem? Para onde? Com quem? Você está fazendo isso para me provocar?"

"Eu vou para Portugal", ele disse, calmamente. "Tenho uma reunião sobre um novo projeto."

A confusão no rosto dela era quase cômica.

"Portugal? Mas... por quê? Você nem me falou nada!"

"Exatamente", disse ele. "Assim como você não me falou sobre a sua viagem para Fernando de Noronha. Com o Lucas."

Ele disse o nome dele pela segunda vez, e o efeito foi como uma bomba. Camila ficou pálida, sem fôlego.

"Você... como você..."

"Não importa como eu sei. O que importa é que eu sei de tudo."

Ela o olhou, a raiva substituindo o choque.

"Então é isso? Uma vingancinha infantil? Você vai para Portugal só para me atingir?"

Ela não conseguia entender. Em seu mundo egocêntrico, tudo girava em torno dela. A viagem dele só podia ser uma reação à viagem dela.

"Me deixe no aeroporto, Camila", ele repetiu, a voz gélida.

Ela bateu no volante com raiva.

"Tudo bem! Seja infantil! Vá para a sua viagem estúpida! Mas quando você voltar, nós vamos ter uma conversa séria!"

Ela acelerou o carro, cantando pneu, e dirigiu em silêncio furioso até o aeroporto. Ela o deixou no terminal de embarque e arrancou com o carro sem nem olhar para trás.

Ricardo a observou partir. Sentia uma tristeza profunda, não por ela, mas pelo fim de tudo o que eles um dia foram. Mas, pela primeira vez, ele também sentia uma ponta de esperança. Portugal não era uma vingança. Era um começo.

            
            

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