"Não é?", perguntei, minha voz nivelada. "Você me abandonou em uma montanha. Você me chutou. Você acreditou em todas as mentiras de Clara e nunca me ouviu. Por que eu deveria acreditar em você agora?"
"Você tem seus poderes! Você pode se curar!", ele insistiu, sua voz soando desesperada. Ele estava se agarrando à ideia da Sofia que ele explorava, não da mulher que estava morrendo na sua frente. "Clara não tem nada disso! Ela é frágil, precisa de proteção!"
Ele se virou e saiu novamente, incapaz de encarar a verdade.
O sistema soou na minha cabeça, sua voz monótona.
[Por que a anfitriã não pede ajuda?]
Eu dei uma risada fraca, que se transformou em uma tosse dolorosa. Pedir ajuda? Para quem?, pensei. Lembrei-me dos meus três anos no convento. Ninguém da minha família me visitou. Nem uma única vez. Eles me jogaram lá para apodrecer, e teriam me deixado lá se não precisassem que eu me casasse com o Regente. Para eles, eu era uma ferramenta, nada mais.
Enquanto isso, a notícia se espalhava pela cidade. Clara, a irmã piedosa e gentil, estava sendo chamada de "Santa". Diziam que sua presença trazia sorte, que suas orações curavam os doentes. Meu pai e minha mãe se pavoneavam, aproveitando a glória refletida.
Eles planejavam uma grande cerimônia na árvore sagrada para celebrar a nomeação de Clara. Um evento para mostrar seus "milagres" ao povo.
Milagres. Eu sorri amargamente. A colheita abundante que salvou a cidade da fome? Foi o sistema, sob meu comando. A fonte de água pura que brotou perto da igreja? Sistema. A cura da febre que assolou o bairro pobre? Sistema. Tudo era eu. E eles sabiam. Eles sabiam, e mesmo assim, deram todo o crédito a Clara, construindo sua imagem de santidade sobre as minhas costas.
Dois dias depois, Henrique me forçou a sair da cama. Eu mal conseguia ficar de pé, mas ele me arrastou para fora do convento.
"Você vai vir conosco para a árvore sagrada", ele disse, sua voz dura.
A árvore sagrada era um antigo carvalho em uma colina, um lugar onde os casais iam para rezar por amor eterno. Era o mesmo lugar onde eles tinham usado meu sangue para seu ritual.
Chegando lá, a cena me enojou. Henrique e Clara estavam de mãos dadas, olhando um para o outro com adoração enquanto rezavam em frente à árvore. Meu pai e minha mãe observavam com lágrimas de orgulho nos olhos.
Eu fui deixada de lado, como sempre.
Quando eles terminaram, Henrique se virou para mim. Ele segurava uma única vela acesa.
"Clara precisa que a chama do nosso amor seja protegida durante a noite. É um símbolo da nossa longevidade juntos", ele disse, colocando a vela na minha mão trêmula. "Você vai ficar aqui e garantir que ela não se apague até o amanhecer."
Ele queria que eu, uma mulher morrendo, ficasse a noite inteira no frio, guardando uma vela para o amor dele com a minha irmã. A crueldade era tão casual, tão natural para ele.
Eu não discuti. Apenas assenti.
Eles foram embora, me deixando sozinha na escuridão com a pequena chama bruxuleante. O vento da noite era cortante, e a dor no meu peito se intensificou. Meu corpo tremia violentamente. A cada rajada de vento, eu protegia a chama com meu corpo fraco, não por eles, mas porque era a única fonte de calor.
A noite se arrastou, uma tortura sem fim.
Quando o primeiro raio de sol tocou o horizonte, eu apaguei a vela. Meu dever estava cumprido. Exausta, eu me encostei na árvore e fechei os olhos.
Fui acordada por gritos. Guardas me cercaram. Henrique estava lá, seu rosto uma máscara de fúria. Clara estava ao seu lado, chorando.
"O que aconteceu?", perguntei, minha voz um fiapo.
"Não se faça de desentendida!", Henrique rosnou. "O tesouro doado ao orfanato, que estava guardado na capela próxima, foi roubado durante a noite! As doações que a Santa Clara conseguiu com tanto esforço! E você era a única pessoa aqui!"
Clara, a ladra, me acusando de seu crime. Era um padrão familiar.
"Você está condenada à morte por este crime hediondo", disse Henrique, sua voz ressoando com uma finalidade terrível. "Você desonrou esta família pela última vez."
Condenada à morte. A ironia era quase engraçada. Eu já estava morrendo.