Capítulo 4 A Noite Em Que Tudo Mudou

A lua brilhava intensamente, banhando o quarto com sua luz prateada, criando sombras que se projetavam sobre os móveis e as cortinas pesadas. Mia estava sentada na beira da cama, segurando um copo quase cheio de uísque, uma bebida que nunca havia experimentado antes, mas que agora era sua ferramenta para sobreviver àquele jogo perigoso.

Fora ideia de Lara. Antes do casamento, em um daqueles momentos desesperados em que a realidade esmaga qualquer resquício de orgulho, Lara deixara instruções claras: "Você não precisará ter intimidade com ele. Apenas o incentive a beber mais do que deveria; ele vai dormir e não se lembrará de nada pela manhã."

Mia, confiante de que aquele plano simples daria certo, concordara sem hesitar. Mas agora, enquanto observava Héctor se servir de mais uma dose com uma confiança quase arrogante, não pôde deixar de sentir um nó no estômago.

Héctor pegou o copo com mão firme e esvaziou o conteúdo de um só gole. O álcool escorreu pela garganta, mas ele não demonstrou nenhum sinal de fraqueza. Na verdade, ele parecia ainda mais animado, mais desperto.

"Você sabe que não é o seu estilo", disse Hector com um sorriso torto, olhando para o copo em suas mãos. "Mas esta noite será diferente."

Mia tentou retribuir o sorriso, mesmo sabendo que aquela mentira estava se tornando cada vez mais difícil de sustentar.

As horas passaram e o efeito do álcool parecia estar fazendo efeito. Hector começou a baixar a guarda, suas palavras se tornando mais relaxadas e seu corpo menos rígido. Ele parecia estar entrando naquele estado em que a consciência se turva, a força de vontade se rende.

Mia disse a si mesma que estava funcionando, que logo ele dormiria e tudo seria mais simples.

Mas então, no meio da noite, Hector de repente abriu os olhos e um olhar intenso e alerta a encontrou.

"Venha para a cama", ele sussurrou em voz profunda, quase um suspiro carregado de suspeita.

O coração de Mia deu um pulo. O plano havia falhado. Ele estava acordado, e aquela pequena rachadura poderia fazer toda a mentira ruir.

Héctor a encarou, seus olhos buscando qualquer indício de verdade ou mentira. O silêncio entre eles tornou-se denso, quase insuportável.

"O que você está fazendo, Mía?", insistiu ele em voz baixa, mas firme.

Sem pensar duas vezes, Mía fingiu desconforto. Levou a mão à boca, o rosto empalidecendo ligeiramente.

"Essa bebida me deixou enjoada...", disse ela com a voz trêmula. "Acho que vou vomitar."

Antes que Héctor pudesse responder, Mía pulou da cama e correu para o banheiro. Fechou a porta atrás de si com um estrondo, encostando-se na madeira fria enquanto respirava fundo, tentando acalmar a tempestade que a assolava.

De dentro, ela ouviu o silêncio no quarto principal. Esperava que Héctor voltasse a dormir, que aquela noite terminasse sem mais perguntas, sem mais verdades reveladas. Mas o medo a dominou: sabia que a linha entre a mentira e a realidade estava se tornando cada vez mais tênue.

Do banheiro, Mia encostou-se na pia fria de cerâmica, tentando conter a náusea que, na verdade, não existia. Sua respiração era rápida e superficial, como se ela estivesse tentando expelir um peso invisível que pressionava seu peito. Cada segundo parecia se estender infinitamente, e o silêncio da sala principal parecia um tamborilar constante em seus ouvidos.

A porta do banheiro estava fechada, mas ela podia ouvir o som suave de Hector se movendo pelo quarto. Poucos minutos depois, seus passos diminuíram lentamente, como se ele tivesse desistido e voltado para a cama. Um suspiro escapou de seus lábios, e Mia permitiu que um pequeno tremor percorresse seu corpo.

Ela enxugou o suor da testa e se olhou no espelho embaçado. A mulher refletida era uma estranha: olhos cansados, boca apertada, pele pálida. Aquela máscara que ela usava para se passar por Lara estava começando a ceder, assim como sua paciência.

Ela tentou organizar seus pensamentos. Precisava permanecer firme; não podia se dar ao luxo de falhar, não agora que a verdade se aproximava como uma sombra implacável. Mas o peso daquela mentira a consumia lentamente.

Finalmente, ela saiu do banheiro, tomando cuidado a cada passo para não fazer barulho. Aproximou-se da cama onde Héctor dormia pacificamente, o rosto relaxado, vulnerável. Por um momento, Mía desejou poder deixar de lado o fingimento e simplesmente ser ela mesma, sem segredos, sem medos.

Mas sabia que isso era impossível. A noite ainda não havia acabado.

Quando o silêncio finalmente voltou a reinar no quarto, Mía se permitiu sentar na beira da cama, ainda tremendo. Olhou para Héctor: sua respiração era lenta e profunda e, pela primeira vez em horas, ele parecia completamente perdido no sono.

Sua mente repetiu, como um mantra, as palavras que Lara lhe sussurrara dias antes, pouco antes de deixá-la sozinha naquele estranho altar:

"Quando amanhecer, te vejo no estacionamento do hotel. Você só precisa aguentar até lá, Mia."

Então, acabou."

Era uma promessa que agora soava distante, quase irreal, depois daquela noite que a havia desgastado até os ossos. Mia se levantou com cuidado para não fazer barulho. Cada rangido da madeira sob seus pés era um lembrete de que qualquer erro poderia lhe custar caro.

Ela foi até o armário e tirou a pequena mala que havia arrumado horas antes. Lá dentro, ela tinha apenas o mínimo necessário: roupas simples, um pouco de maquiagem para apagar os traços de Lara do rosto e um pequeno envelope contendo a primeira parte do pagamento. O trabalho precisava ser concluído sem deixar pontas soltas.

Ela olhou para Hector. Ele dormia profundamente, alheio à traição que respirava ao seu lado. Por um momento, ela sentiu uma pontada de culpa, quase um desejo de se inclinar e se desculpar silenciosamente com ele, mesmo não sendo ela quem deveria perdoar.

Com mãos desajeitadas, ela recolheu os últimos vestígios da mentira: o véu, o perfume caro, a prótese leve que moldava seu rosto. Tudo tinha que desaparecer com ela. Amanhecer.

Ela olhou pela janela. A primeira luz do amanhecer começava a romper a escuridão da noite. Logo a cidade acordaria, indiferente às sombras que ela deixaria para trás.

Com o coração disparado, ela parou na porta. Olhou uma última vez para o anel que ainda usava. Tirou-o cuidadosamente do dedo e colocou-o no criado-mudo, ao lado da garrafa de uísque vazia.

"Quando amanhecer...", repetia mentalmente, como uma prece.

Ela respirou fundo, abriu a porta e saiu para o corredor. Cada passo em direção ao elevador era uma pancada estrondosa em suas têmporas. Lá fora, no estacionamento do hotel, Lara a esperava. Ou pelo menos, ela queria acreditar que sim.

O trabalho estava quase terminado. Ou talvez estivesse apenas começando.

            
            

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