Capítulo 5 Encurralado

O ar frio da manhã a atingiu como um tapa na cara enquanto atravessava as portas de vidro do hotel. Mia caminhava rapidamente, agarrando a pequena mala que parecia pesar toneladas depois daquela noite interminável.

O estacionamento estava quase vazio, exceto pelos carros de alguns hóspedes que chegavam cedo e pela fraca luz alaranjada dos postes de luz que mal conseguia penetrar a névoa da madrugada.

Mia caminhou até seu carro, um sedã modesto que havia deixado estacionado no canto mais discreto. Abriu o porta-malas e, com movimentos automáticos, guardou a mala, certificando-se de apagar todos os vestígios de sua breve estadia naquele quarto de hotel que não lhe pertencia.

De acordo com o plano, Lara apareceria a qualquer momento. Ela retomaria seu lugar - seu verdadeiro lugar - ao lado de Héctor, e Mia poderia desaparecer como um fantasma. Ela não queria saber muito sobre os motivos de Lara; apenas aceitou o dinheiro e o pacto. Uma noite. Um favor bem pago. Nada mais.

Mas agora, encostada na porta do carro, sentiu que algo não estava certo. Ligou o celular e checou, ​​pela quinta vez, a última conversa: "Estarei aí às seis horas. Espere-me no seu carro. Vai ficar tudo bem."

Já eram seis e meia. E nada. Nenhuma nova mensagem. Nenhuma chamada perdida.

Mia digitou com dedos gelados: "Onde você está? Estou pronta. Você vem?"

Nenhuma resposta. O silêncio era um zumbido insuportável em sua cabeça.

Foi quando algo lhe chamou a atenção. Sob o para-brisa, uma folha de papel branca se movia suavemente ao vento, mal segurada por um dos limpadores. Mia sentiu o coração parar por um segundo ao pegá-la, uma sensação que lhe arrepiou a pele.

Ela a abriu lentamente. A letra era claramente de Lara, rápida, quase desesperada:

"Fique mais um dia, é tudo o que peço. As coisas se complicaram para mim. Amanhã, sim, nos veremos aqui. Suba para o seu quarto e tente não deixar que ele perceba nada de estranho. Prometo lhe dar uma generosa compensação em troca."

Mia sentiu o bilhete escorregar por entre os dedos. Mais um dia. Só um, disse Lara. Mas Mia sabia que cada minuto a mais era um risco. Cada minuto a mais era mais um passo em território que não era dela.

Olhou ao redor, como se esperasse vê-la surgir do nada. Nada. Apenas a névoa, o frio e o murmúrio distante do trânsito que começava a despertar.

Respirou fundo. Tinha duas opções: ir embora sem olhar para trás - quebrar o pacto - ou subir aquelas escadas e encarar o olhar de Héctor, rezando para que ele não notasse nada de estranho.

O envelope com a promessa de pagamento queimava em seu bolso de trás como um lembrete cruel: aquilo não era um jogo. Quando aceitou o acordo, Lara lhe dera apenas uma parte do dinheiro, o suficiente para comprar seu silêncio e garantir que ela não desistisse no meio do caminho. O restante - a quantia maior, a verdadeira motivação de Mía - dependia de concluir o trabalho sem erros, sem levantar suspeitas, sem que Héctor jamais descobrisse a verdade.

Aquele dinheiro era mais do que contas. Era a sua saída. A única maneira de Mía saldar uma dívida silenciosa que carregava há anos, de deixar para trás as promessas vazias e o medo constante. Era por isso que ela não podia fracassar agora. Porque, se fracassasse, tudo o que suportara - as mentiras, a maquiagem, o medo de cada olhar de Héctor - teria sido em vão.

Mais um dia, apenas um, repetia para si mesma como uma prece. E então, liberdade. Ou assim ela queria acreditar.

Com um suspiro resignado, Mía se inclinou, rasgou o bilhete amassado e o enfiou na bolsa. Ela fechou o porta-malas com um estrondo e, enquanto caminhava de volta para a entrada do hotel, não pôde deixar de sentir que a mentira, longe de terminar, estava apenas começando a devorá-la.

O envelope pareceu queimar sua pele através do tecido da calça jeans enquanto ela caminhava de volta para o elevador.

Enquanto subia pelo elevador, Mia mal conseguia sentir as pernas. O envelope, ainda quente no bolso de trás, era um peso que a mantinha presa à mentira que já começava a devorá-la. Em sua mente, ela repassava todos os cenários possíveis, como uma atriz sem margem para erros.

"Se ele estiver dormindo, será simples... Eu volto para a cama e tudo continua igual. Se ele estiver acordado... Preciso de uma boa desculpa."

Ela ensaiou as palavras em silêncio, mal movendo os lábios: "Fui buscar água... Desci até a recepção porque estava tonta... Não conseguia dormir..." Cada explicação era mais frágil que a anterior, mas ela se agarrou a elas como um náufrago agarrado a um pedaço de madeira. As portas do elevador se abriram com um leve tilintar. Mia respirou fundo, pronta para caminhar rapidamente para o quarto, rezando para encontrar a porta ainda fechada, as luzes apagadas, e Hector dormindo profundamente, dominado pelo álcool.

Mas ela não teve tempo de dar um único passo. À sua frente, ocupando quase toda a entrada do elevador, estava Hector. Ereto. Acordado. Alerta. Vestia calças de linho e uma camisa meio abotoada, como se tivesse saído do quarto às pressas. Sua expressão era uma mistura de perplexidade e algo mais perigoso: desconfiança.

"Onde você estava?", perguntou ele sem rodeios, encarando-a com aqueles olhos que pareciam atravessá-la.

O coração de Mia saltou tão forte que ela achou que fosse saltar pela garganta. Ela engoliu em seco, tentando evitar que a voz tremesse. Precisava reagir. Precisava continuar com a farsa por mais um dia. Mais um dia e tudo estaria acabado.

Forçou um sorriso, aquele mesmo sorriso que tantas vezes ensaiara diante do espelho, aquele que se assemelhava ao de Lara.

"Eu não conseguia dormir... Fui dar uma volta para clarear a mente." A voz dele soou estranha, até para ela. "Eu não queria te acordar."

Héctor franziu a testa. Seu olhar pousou na bolsa, onde a ponta amassada do bilhete se destacava. Mía sentiu tudo girar ao seu redor enquanto o silêncio se estendia como um fio prestes a se arrebentar.

"Só mais um dia, Mía", disse a si mesma, repetindo mentalmente as palavras de Lara como um feitiço.

Mas algo no jeito como Héctor a olhava a fez perceber que mais um dia talvez fosse tempo demais.

                         

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