No quarto ao lado, Leti experimentava pela décima vez a tiara de estrelas que Dante comprara no fim de semana, cantando "Shine Bright" baixinho. Ela não iria ao evento, mas fazia questão de participar da preparação: queria "ter certeza de que a mana-mãe ia brilhar".
A campainha soou às 18h em ponto. O relógio de Dante, sempre pontual mesmo na minha cabeça, marcou o início da noite que desenharia nossa reputação. Abri a porta e encontrei o motorista particular, Augusto, segurando uma caixa longa.
- Ordem do senhor Navarro - disse ele, oferecendo o embrulho. - Para completar o figurino.
Revelei um par de sapatos de salto nude, elegantes demais para os meus pés que mal conheciam sapatos fechados. Sorri agradecida, embora minhas mãos tremessem enquanto fechava a caixa. O motorista aguardaria no térreo; Dante insistira que eu descesse sozinha - efeito dramático, segundo ele: "Chegue vinte minutos depois de mim; cria expectativa".
Ainda assim, antes de sair, Leti me circundou como um satélite em torno de um planeta ansioso.
- Você vai ficar linda, ela afirmou, apertando meu pulso com seriedade infantil. - E o tio Dante vai ficar orgulhoso.
Eu segurei o rosto dela entre as mãos.
- Você vai ficar aqui com a dona Vita, vai jantar pizza e ver filme, combinado?
- Pode pipoca?
- Pipoca dupla.
Ela sorriu, fazendo o coelho sem olho "dançar" o que seria, para ela, um gesto de aprovação real.
Quando o elevador fechou, as paredes espelhadas refletiram uma mulher que eu mal reconhecia: cabelos presos num coque baixo, maquiagem leve que Dante mandara providenciar com um stylist particular, e uma pulseira de ouro fino moderníssima - "Detalhes dão veracidade", ele dissera. Eu era, pela primeira vez, a versão de luxo de mim mesma.
O saguão do hotel cinco estrelas onde aconteceria o jantar beneficente estava cheio de vozes que ricocheteavam em lustres de cristal. Assim que saí do carro, flashes pipocaram aqui e ali - blogueiras de finanças, repórteres de sociedade, funcionários da Navarro à cata de fofoca. Meu coração disparou como um pássaro preso, mas lembrei-me da regra: sorrir de forma contida, manter o queixo erguido, procurar Dante com o olhar.
Ele surgiu no topo da escadaria de mármore, conversando com dois diretores estrangeiros. Terno azul-meia-noite impecável, gravata de seda prata, o cabelo escuro levemente desalinhado para parecer casual. Quando nossos olhares se encontraram, houve um micro-sinal: ele levantou o queixo um centímetro - aproxime-se.
Desci um degrau, depois outro, agarrada à clutch como se fosse salva-vidas. Um redator da revista Capital & Glamour bloqueou meu caminho com um sorriso ofuscante.
- Boa noite! Posso saber seu nome? - a voz dele era mel misturado a escárnio profissional.
Meu cérebro bugou, mas lembrei de Paula, da recepção, que preparara respostas-padrão:
- Luna Oliveira Navarro - acrescentei o sobrenome com naturalidade ensaiada. - Prazer.
- A senhora Navarro é a noiva surpresa do ano, parece. Conte algo sobre o pedido!
Eu ia abrir a boca quando Dante apareceu ao meu lado tão silencioso quanto uma sombra cara. O braço dele rodeou minha cintura com falsa intimidade, calor sóbrio atravessando o cetim.
- Foi íntimo - respondeu ele por mim, com um sorriso milimetrado. - E prefiro que permaneça nosso.
O repórter recuou um passo, desarmado pelo magnetismo do CEO.
Dante inclinou-se ao meu ouvido: - Você está perfeita.
Um arrepio subiu pela espinha; não era romance, era adrenalina - a certeza de que cada respiração era observada. A mão dele apertou minha cintura um segundo mais do que o script exigia, e então ele nos conduziu salão adentro.
O salão principal era um oceano de mesas redondas, guardanapos dourados e arranjos florais altos demais para conversas confortáveis. Vi rostos conhecidos - diretores, analistas, assistentes. Vi também Helena Prado, vice-presidente de marketing, cuja reputação de affair com Dante era comentário sussurrado nos corredores. Ela ergueu a taça quando nos viu, lábios vermelhos se curvando num sorriso de quem fareja sangue.
Fomos acomodados na mesa central. Dante puxou minha cadeira, gestos de cortesão contemporâneo. Assim que sentei, ele se aproximou para susurrar:
- Três fotos juntos, no mínimo. Eu sinalizo com a taça.
- Copiado - respondi, tentando não parecer soldado em missão.
Antes que eu pudesse respirar, Helena deslizou até nós.
- Dante, querido - ela entoou, pousando a mão no ombro dele. - E essa é a famosa Luna... Finalmente nos conhecemos. - O "famosa" veio melado de ironia.
- Famosa graças a você, Helena - retribuí, sorrindo. - Me contaram que faz as melhores campanhas de divulgação interna. Já estou me sentindo uma celebridade corporativa.
Helena piscou, surpresa com a devolução, e se afastou educadamente. Dante sorriu de canto, aprovando. Ponto para mim.
A primeira foto veio rápido: o diretor financeiro ergueu o celular, Dante tocou minha mão sobre a mesa, eu inclinei-me para ele. Flashes. Segundo clique, Dante cochichou algo que me fez rir (sobre quantos zeros custava o centro de mesa). Terceiro clique, brindamos, taça tintindo. Se alguém duvidava da química, eu já sentia faíscas artificiais queimando meus dedos.
Durante o jantar, Dante discutia números em inglês com um investidor da Coreia; eu sorri e balancei a cabeça no ritmo, mesmo sem entender metade. A cada quinze minutos, porém, ele voltava a atenção para mim: perguntar se eu estava confortável, oferecer mais água, ajeitar o guardanapo no meu colo. Era atuação digna de Oscar - mas, em pequenos descuidos, havia sinceridade: o dedo polegar dele roçando distraidamente minha mão, a maneira como ele se curvava para falar sem que ninguém mais ouvisse. A cada gesto, o público notava. A narrativa ganhava força.
No intervalo entre o prato principal e a sobremesa, Dante tocou meu cotovelo.
- Hora de dançar - declarou.
Minhas pernas tremeram mais do que nos saltos, mas levei a taça vazia à boca como se fosse coragem líquida. No centro do salão, o quarteto de cordas tocava uma suíte jazz suave. Dante posicionou-se diante de mim, mão firme na minha cintura, outra segurando a minha. A valsa improvisada era lenta, o piso brilhante refletia as luzes tênues, e eu sabia que centenas de olhos registravam cada passo.
- Você está indo bem - ele cochichou ao meu ouvido.
- Não pise no meu vestido e tudo ficará melhor - respondi.
Ele riu baixinho, algo tão raro que perdi o compasso por um segundo. Ao retomar, notei Helena parada à margem da pista, olhar afiado. Dante observou a cena por cima do meu ombro.
- Ciúmes corporativos - murmurou, guiando-me para um giro suave. - Hoje confirmamos a todos que não há espaço para especulações antigas.
- E amanhã? - perguntei, encarando-o. - Mantemos o teatro quantos atos forem necessários?
Ele segurou meu olhar, os olhos castanhos escurecidos. - Quantos forem necessários.
Foram palavras práticas, mas algo nelas ressoou promessa. Eu quis acreditar que, por trás da cláusula fria, existia um tijolo de proteção - não só para a imagem dele, mas para mim e Leti.
Quando a música acabou, os aplausos vieram, e Dante inclinou-se num beijo ensaiado na minha têmpora. O flash estourou. Eu fechei os olhos. Por um instante, a ideia de que aquilo terminaria em seis meses me pareceu insuportável.
Já era madrugada quando chegamos à cobertura. Leti dormia no sofá com um restinho de pipoca no colo, o filme pausado nos créditos. Dante pegou um cobertor e cobriu-a, depois se ajoelhou para afastar uma mecha de cabelo do rosto dela. Fiquei parada à porta, vendo uma ternura que ele mesmo talvez não percebesse.
- Obrigada por hoje - falei baixo.
- Você superou as expectativas. - Ele levantou, tirando o paletó. - Amanhã enviaremos as fotos selecionadas ao advogado. Serão anexadas ao dossiê do processo.
- Viu? Conseguimos - eu disse, mas minha voz saiu suave, quase esperançosa.
Ele me encarou um momento longo, depois desviou o olhar para Leti.
- Talvez consigamos mais do que imaginamos - murmurou.
Não respondi. Apenas dobrei a barra do meu vestido, caminhei até o quarto, certa de que, a partir desta noite, a linha entre encenação e verdade ficaria cada vez mais borrada.
E, enquanto tirava os sapatos novos que ainda guardavam o calor da pista de dança, senti que, pela primeira vez, eu não estava mais com medo. Talvez ainda fosse um palco. Mas eu já conhecia a coreografia.