Depois da morte, minha alma vagou, presa a um ressentimento que não me deixava partir. Foi então que eu descobri a verdade. Vi Pedro Henrique, meu noivo que todos acreditavam ter morrido heroicamente em uma missão militar, vivendo uma vida de luxo com Sofia, minha suposta amiga.
Eles riram da minha estupidez. Riram do meu luto. Riram de como eu, obedientemente, cuidei da mãe dele, Dona Fátima, gastando meu tempo e energia, enquanto meu próprio pai, o General Silva, definhava de tristeza e doença, morrendo sem que eu estivesse ao seu lado.
A "morte" de Pedro foi uma farsa. Um plano para se livrar de mim e da responsabilidade, para fugir com Sofia e o dinheiro que ela havia herdado. Minha depressão, meu suicídio, a morte do meu pai... tudo fazia parte do plano deles. O ódio me consumiu, mas eu não podia fazer nada. Eu era apenas um fantasma, uma espectadora da felicidade deles construída sobre as ruínas da minha vida.
Até agora.
Abri os olhos. O teto do meu quarto de adolescente estava exatamente como eu me lembrava. Pôsteres de bandas antigas, o papel de parede florido que eu odiava. Levantei a mão, trêmula. Era sólida. Real.
O calendário na minha escrivaninha marcava uma data de três anos antes da "morte" de Pedro. Eu tinha voltado. Tinha recebido uma segunda chance.
As lágrimas que não derramei como fantasma agora escorriam pelo meu rosto, quentes e reais. Não eram lágrimas de tristeza, mas de uma fúria fria e de alívio. Desta vez, seria diferente. Ninguém iria me destruir. Ninguém iria machucar meu pai.
O telefone tocou, o som estridente cortando o silêncio do quarto. Meu coração gelou. Eu conhecia aquela ligação. Era Pedro. Na minha vida passada, atendi com um sorriso, animada para ouvir sobre seus planos, seus sonhos de glória militar que eu apoiava cegamente.
Desta vez, deixei tocar. Uma, duas, três vezes. A cada toque, minha determinação se solidificava. Eu não seria mais a noiva tola e dedicada.
Finalmente, atendi, mas minha voz era gelada.
"Alô?"
"Ana, meu amor! Onde você estava? Pensei que não ia atender." A voz dele, tão familiar e agora tão repulsiva, soou do outro lado. "Tenho ótimas notícias sobre a promoção. Queria comemorar com você."
"Não posso, Pedro."
Houve um silêncio do outro lado da linha.
"Como assim, não pode? O que é mais importante que o meu futuro?"
O egoísmo dele, tão claro agora. Na vida passada, eu teria cancelado qualquer coisa por ele.
"Meu futuro", respondi com simplicidade, e desliguei.
Não esperei que ele ligasse de volta. Levantei-me, troquei de roupa e desci as escadas. Meu pai, o General Silva, estava na sala de estar, lendo o jornal. Ele parecia mais jovem, mais saudável. O peso que a minha tragédia futura colocaria sobre ele ainda não existia. A visão dele, vivo e bem, quase me fez desabar.
"Pai."
Ele baixou o jornal, seus olhos gentis focados em mim.
"Ana Lúcia, filha. Aconteceu alguma coisa? Você parece pálida."
Respirei fundo, reunindo toda a coragem que a minha morte me deu.
"Eu terminei com o Pedro Henrique."
Meu pai ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas não chocado. Ele nunca foi o maior fã de Pedro, sempre achou o rapaz ambicioso demais, mas respeitava minha escolha.
"Tem certeza, filha? Parecia um relacionamento sério."
"Tenho, pai. Absoluta. Eu... eu acho que cometi um erro. E quero consertá-lo." Olhei pela janela e vi Marcos Vinícius do outro lado da rua, lavando seu carro sem camisa, rindo com um amigo. O "playboy" da vizinhança. O homem que sempre me olhou com um carinho que eu, cega por Pedro, nunca quis ver. O homem que, na minha vida passada, depois da minha morte, foi o único que visitou o túmulo do meu pai regularmente.
Meu pai seguiu meu olhar. Ele viu Marcos e um pequeno sorriso se formou em seus lábios. Ele sempre gostou do garoto, apesar da reputação. Sabia que, por baixo daquela fachada descontraída, havia um bom coração.
"E como pretende consertar esse erro?" ele perguntou, sua voz suave.
"Eu vou me casar com o Marcos Vinícius", declarei.
Se meu pai ficou chocado, ele disfarçou bem. Ele apenas dobrou o jornal, colocou-o na mesa de centro e me olhou com uma seriedade que eu raramente via.
"Se é isso que seu coração quer, e se ele te fizer feliz, você tem a minha bênção."
A aceitação dele foi um bálsamo. Um peso saiu dos meus ombros. Eu tinha um aliado.
Naquele momento, a campainha tocou furiosamente. Sabia que era Pedro. Meu pai se levantou para atender, mas eu o impedi.
"Deixa que eu atendo, pai."
Abri a porta e me deparei com um Pedro Henrique de rosto vermelho e furioso.
"O que significa isso, Ana Lúcia? Desligar na minha cara? Terminar comigo?"
"Significa que acabou, Pedro. Simples assim."
Ele me agarrou pelo braço, seus dedos apertando com força.
"Você não pode fazer isso comigo. Nós temos um futuro. Eu serei promovido, teremos uma vida..."
"Você terá uma vida", eu o corrigi, puxando meu braço. "Eu não farei mais parte dela."
A arrogância dele era inacreditável. Ele realmente achava que eu existia apenas para servir aos seus propósitos. Lembrei-me de todas as vezes que ele me fez esperar, que cancelou nossos planos por causa do trabalho ou de "obrigações" com a família dele. Lembrei-me de como a mãe dele, Dona Fátima, já me tratava como uma empregada, pedindo favores constantes, sempre com um sorriso falso no rosto. E eu, tola, fazia tudo, pensando que era meu dever como futura nora.
Enquanto eu o encarava, vendo o homem egoísta que ele sempre foi, a raiva em seu rosto se transformou em algo estranho. Uma confusão, um lampejo de reconhecimento que não deveria estar ali.
Ele olhou para mim, para a minha casa, para o carro de Marcos do outro lado da rua, e sussurrou, com uma voz que mal era audível, mas que gelou meu sangue.
"Não... não de novo. Você não vai me deixar por ele de novo."
Meu coração parou por uma fração de segundo.
De novo?
A única maneira de ele saber disso... era se ele também tivesse renascido.
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