"Do que você está falando, Pedro?", forcei-me a perguntar, a voz mais firme do que eu me sentia.
Ele pareceu perceber o que tinha dito. O pânico substituiu a confusão em seu rosto.
"Nada. Eu não... Eu quis dizer que você sempre olhou para ele. Não vou deixar você me humilhar."
Era uma mentira fraca, e nós dois sabíamos disso.
Fechei a porta na cara dele, o som da madeira batendo ecoando a decisão final que eu havia tomado. Tranquei a fechadura e me encostei na porta, o corpo tremendo.
Lágrimas de raiva e frustração brotaram nos meus olhos. A dor da traição da vida passada voltou com força total. Lembrei-me dos anos que passei ao lado dele, apoiando sua carreira, abrindo mão dos meus próprios sonhos. Lembrei-me de como vendi as joias da minha mãe para ajudá-lo a pagar uma dívida de jogo que ele disse ser um "investimento que deu errado". Ele me prometeu que devolveria cada centavo, mas nunca o fez.
Lembrei-me de como cuidei de Dona Fátima quando ela quebrou a perna, passando semanas na casa dela, cozinhando, limpando, levando-a ao médico. Perdi o aniversário do meu próprio pai por causa disso. Pedro me disse que eu era a melhor nora do mundo, que a mãe dele me adorava. Agora eu sabia que era tudo uma farsa. Eles estavam apenas me usando, sugando tudo de mim antes do descarte final.
A injustiça de tudo aquilo queimava dentro de mim. Ele teve a audácia de renascer e ainda achar que tinha algum direito sobre mim.
"Filha, está tudo bem?", a voz preocupada do meu pai me tirou do meu torpor.
Enxuguei as lágrimas rapidamente.
"Sim, pai. Tudo ótimo. Só estava... me despedindo do passado."
Saí pela porta dos fundos e fui direto para o outro lado da rua. Marcos Vinícius ainda estava lá, agora secando o carro com uma flanela. O sol da tarde brilhava em suas costas musculosas. Ele sorriu quando me viu aproximar.
"Ana Lúcia! Que surpresa. Veio me ajudar a lavar o possante ou só admirar a vista?"
O jeito brincalhão dele era exatamente o que eu precisava. Na vida passada, eu sempre achava essa atitude dele superficial, irritante. Agora, eu via o calor genuíno por trás da brincadeira.
"Na verdade, vim fazer uma proposta", eu disse, parando na frente dele.
Ele largou a flanela, a expressão de repente séria.
"Proposta? Gosto de propostas."
Meu coração batia forte. Era loucura, mas eu precisava fazer isso. Precisava selar meu destino, criar um fato consumado que nem mesmo o Pedro Henrique renascido pudesse desfazer.
"Marcos Vinícius, quer casar comigo?"
O queixo dele caiu. Literalmente. Ele ficou me encarando com os olhos arregalados, a boca ligeiramente aberta, completamente sem palavras.
Atrás de mim, ouvi um som engasgado.
Virei-me e vi Pedro. Ele não tinha ido embora. Estava parado na calçada, perto do portão da minha casa, e tinha ouvido cada palavra. Seu rosto estava branco como papel, os olhos fixos em mim com uma mistura de choque, dor e fúria. A máscara de arrependimento tinha caído, revelando o mesmo homem possessivo e arrogante que eu conhecia.
O choque de Marcos durou apenas mais alguns segundos. Um sorriso lento e deslumbrante se espalhou por seu rosto.
"É a melhor proposta que eu já recebi na vida", ele disse, a voz rouca de emoção. Ele deu um passo à frente, diminuindo o espaço entre nós. "Sim, Ana Lúcia. Mil vezes sim."
A resposta dele, tão rápida e certa, aqueceu meu coração.
Pedro, no entanto, não aceitou a derrota tão facilmente. Ele marchou na nossa direção, o rosto contorcido pela raiva.
"Você enlouqueceu, Ana Lúcia? Casar com ele? Um playboy irresponsável que não tem futuro?"
Ele se virou para Marcos, o desprezo evidente em sua voz.
"E você? Acha que eu vou permitir isso? Ela é minha noiva!"
Marcos, que sempre pareceu tão descontraído, endireitou a postura. Ele era mais alto que Pedro e, naquele momento, parecia dez vezes mais imponente.
"Ela acabou de dizer que quer casar comigo. E pelo que eu saiba, ela não é propriedade de ninguém", Marcos respondeu, a voz calma, mas com um tom de aço.
"Isso não é da sua conta!", Pedro rosnou, dando um passo ameaçador em direção a mim. "Ana, vamos entrar e conversar. Você não está pensando direito. Deve ser o estresse."
Ele tentou me agarrar novamente, usando a mesma tática de manipulação, tratando-me como uma criança histérica que não sabia o que queria.
"Eu nunca pensei com tanta clareza na minha vida", eu disse, dando um passo para trás e me colocando ao lado de Marcos. "A minha resposta é para ele", apontei para Marcos, "e a minha decisão sobre você já foi tomada. Acabou, Pedro. Aceite."
A rejeição final, pública e inequívoca, pareceu quebrar algo dentro dele. A raiva em seus olhos se transformou em desespero puro.
"Você não pode fazer isso...", ele repetiu, a voz quebrando. "Eu... eu me arrependo. De tudo."
A confissão pairou no ar, carregada com o peso de duas vidas. Mas para mim, era tarde demais. O arrependimento dele não traria meu pai de volta. Não apagaria a dor e a humilhação. Não consertaria a vida que ele destruiu.
"Seu arrependimento não me interessa", eu disse, friamente. "Agora, se nos der licença, temos um casamento para planejar."
Virei as costas para ele, um ato que eu nunca tive a coragem de fazer na vida passada, e olhei para Marcos. Ele me deu um pequeno sorriso, um misto de triunfo e ternura, e pegou minha mão. O calor da sua pele na minha era real, sólido. Era o meu futuro.
---